segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Aurora Numbora...(Publicada)

Na integra como prometido, foi publicada a peça "Aurora Numbora"... Espero que acompanhe e mergulhe no mundo de minha imaginação...

Boa leitura...

Aurora Numbora (Sinopse-Personagens)

sinopse

Em Bodorocó , um Povoado esquecido pelas autoridades, prevalece em meio a vida pacata de seus habitantes a dura luta pela sobrevivência, Artênio que é muito inteligente e astuto tem que se submeter ao Sr Leopoldo -um coronel que não mais tem seus bens e grandes propriedades, pois se encontra viciado no álcool e que por causa dessa divida perde toda a sua criação de ovelhas – Pra não permanecer nessa situação oferece a mão de sua única filha Martinha a qual é a grande paixão do Artênio, ao Lucílio,que tem a fama de advogado que retornou diplomado da capital que porventura é filho de Dona Mãezona que é no caso a mulher mais rica desse povoado e que teve um caso com Sr Leopoldo.

Sebim é um malandro que descobre todas as mazelas que ocorrem em Bodorocó,ganha a vida metendo o nariz onde não é chamado e tem um grande sonho de se tornar o homem mais rico de Bodorocó.Só que existe alguém bem mais esperta na história que ninguém dar nada por ela - a Kakinha – prima de Martinha e sobrinha preferida de Sr Leopoldo.

A obra está baseada nos sentimentos de ganância do homem representado por esses ilustres personagens, onde todos querem sempre levar vantagem uns em cima dos outros. Idealizada em forma de comédia “Aurora Numbora” mostra o lado podre e vazio do ser humano personificado em cada sentido, gesto e ação.

Afinal quem será herói ou vilão nessa história? é uma questão que fica implícita e a fórmula de prender o espectador até o ultimo momento da obra.

Personágens!

Artênio (Pastor de ovelhas- Apaixonado por Martinha)


Sebim (Desocupado e retirante de Bodorocó)

Martinha ( Filha mimada de Leopoldo,grande amor de Artênio,interesseira e de extrema arrogancia )

Leopoldo (Coronel falido e beberrão,que perde suas ovelhas por causa da bebida)

Lucilio ( Filho mimado de Mãezona e futuro marido de Martinha, tido como "o advogado de Bodorocó")

Kakinha ( Prima esperta de Martinha)

Mãezona ( Mãe do Lucílio,esperta,também vigarista e aposentada do finado marido militar)

domingo, 30 de agosto de 2009

Aurora Numbora (Ato 1- Cena 1)

SEBIM - (Pra platéia) Meu povo querido, sem nenhuma falsidade quero mostrar o quanto é que esse “lugarzim” é “pôde” . O povinho que mora aqui não tem nada pra fazer e vive por ai falando mal de uns e “dozôto” mas esse povinho ta pra deixar disso,pois eu vou me tornar o maior barão que esse lugarzinho já viu...querem apostar?

LUCILIO - ( Já vem xingando o Sebim ) Mas o que é que esse mendiguinho de rua analfabeto quer por aí ,falando sozinho?E ainda mais, dizendo que vai ser um barão! É muita falta de “pêia” mesmo! (risos) é... parece que a melhor coisa que fiz em toda minha vida : foi ter saído desse fim de mundo.

SEBIM - (Desconsolado) É ! Quando alguém fala uma coisa dessas , é sinal que a “besteralidade” já afetou o seu juízo! Isso é, se ainda tiver. Mas meu paizim disse uma coisa que nunca vou “isquecê” que é “nunca fale merda, senão a catinga é pior que peido inturído” ... (olha para o lado e percebe Artênio aproximar-se,e fala pra platéia) Eita “jabo” lá vem o Artênio...Ele é um desses “cabôcos” que pra variar num têm um centavo furado no bolso ,mas é um rapaz corajoso e sonhador ,ta doidinho pela gostosa.. é ... q - quero dizer mocinha prendada ... filha de “seu Leopoldo”(sorri ironicamente) Lá vem o pobre...

ARTÊNIO - ( Lamentando-se,mas bem otimista,traz uma rosa na mão) É ... espero que hoje seja um dia lindo,pois vou presentear minha querida Martinha com a rosa mais bela que encontrei no jardim,ela merece a prova do meu amor. Ah como é bom amar!

SEBIM - (Narrando) É uma pena mas o pobre moço não sabe o triste destino que o aguarda... só quero ver onde isso vai parar! (pra platéia) e você também quer saber o que vai acontecer?Então não desgrude um “momentim” se quer... (pausa) êita que esse “pinico” vai ter bosta!

LEOPOLDO - Ei menino o que é que tu faz aqui nessas “hora”, num devia tá no roçado pastorando as ”uvêia”?

ARTÊNIO - É que estou só tirando uma “hórinha” de folga.

LEOPOLDO - E essa rosinha na mão, virou jardineiro ou ta querendo ser fresco “mermo”? rapaz tanto que tua mãe me pedia pra te dar conselho ...e tu já ta virando a casaca? abre o ”zói” menino,Deus tá vendo!

ARTÊNIO - Né nada disso não, é que eu queria vê a sua maravilhosa filha, num sabe?!.

LEOPOLDO - (Interrompendo) É O quê?! Mau tirou as “cueca mijáda” e já quer se “aproxegá” pra “riba” de minha fia! Ó o respeito seu cabra! ela é uma moça, e num é pro seu bico.

ARTÊNIO -- Oxe! e o que é que tem demais em dar uma rosa pra sua filha? não é pro meu bico, mas sei ser uma pessoa decente,fina e educada.

LEOPOLDO --Decente o quê? Minha menina é requintada igual a finada sua mãe (com os braços pro céu,se benze) que Deus a tenha! não vai “assucedê” de dá o "adisfruti" pra um roceiro como tu.

ARTÊNIO --Mas se sua filha puxou o requinte de sua finada e queridíssima esposa ; ela vai dar sim.

LEOPOLDO – Mas “pruquê”?

ARTÊNIO – Ué, sua mulher num deu pro senhor?(risos).

LEOPOLDO -- (irritado) Como é que é seu cabra? você ta se comparando “cumigo” é? nunca fui de dá rosinha pra “muié”...isso é coisa de cabra “frôxo” que se mija quando vê um cabra macho.

ARTÊNIO – Desculpe-me seu Leopoldo,eu só queria ser um homem feliz.E ter uma esposa como Martinha, seria um sonho...


LEOPOLDO -- Minha fia vai é se ajuntar com um "homi" que tenha "cundição" de manter a bichinha
bem "sardavi" ,limpinha e ”honrróza”, num criei “fia” pra acabar “muié” de um (pausa) roceiro.

ARTENIO – (Dengoso) Não fale assim comigo desse jeito o senhor me machuca.

LEOPOLDO – Oi, quer um conselho? "rebóle" essa “frô” e vá pastorar as "uvêia" que é o “mió” que tu faz.

ARTENIO –M -mas...


LEOPOLDO - Cala a boca e vá trabalhar (pausa, Artênio sai) donde já se viu um roceiro liso, quase pedindo esmola "querê” uma moça,e que moça! a minha “fiazinha” linda!(pra platéia) que vai se formar em “dotôra” um dia e vai sê rica e inté morá na cidade...é, parece que tem gente que num pensa,esse menino é um daqueles três"L":liso,lascado e lezado,”púcerto” acha que sou um três “B” bebo -burro,besta,bundão e béstaiado ele devia saber que sô um “homi” três "C":safado, sabido e superior
(orgulhoso,pra platéia) Eita que “homi” bruto!

(sai de cena)

(Quando Leopoldo sai, entra Sebim, com a cara de admirado, vendo que o velho não gostou nada do sentimento afetivo do Artênio por sua filha)

SEBIM – Então quer dizer quer dizer que o velho num gostou de saber que o matuto do Artênio gosta da “fia” d’ele!(desconfiado) êita que tô “doidim” pra ver uma cachorrada por essas bandas, ta que eu tive uma idéia !(risos)

(na mesma hora ,o Lucílio vem caminhando no meio da rua , percebe que Sebim se aproxima)

LUCILIO – Mas o que é que um desocupado quer aqui perto de mim ,um homem formado, digno do respeito e da cordialidade nos finos tratos de uma sociedade altamente nivelada e de porte tão superior?

SEBIM – (concluindo) E que está no meio de um “interiorzinho” que fica bem localizado onde Judas perdeu as botas, que possui o sublime nome de (soletrando) Bo-do-ro-có.

LUCILIO - Cale-se seu analfabeto. Será que não sabes que estou à paisana levemente curtindo minhas férias?Que por sinal; “merecedíssimas”.

SEBIM – É,pra quem se diz requintado de alta classe...num fim de mundo desses, é meio esquisito mesmo!

LUCILIO – É sim,e veio bem a calhar com a frase famosíssima do filósofo grego Pero Vaz de Albuquerque, “ O capitalismo é meu pastor, por isso estou pastando”.

SEBIM – É uma frase bem idiota mesmo!

LUCILIO– (com as mãos para o céu) Ah pai, perdoa porque não sabe o que diz!(olhando no olho de Sebim) é muito intelectual pra sua mente limitada. Mas me conte qual o motivo, razão, circunstância , motivo de base preponderante de sua inútil procura a mim? Se for dinheiro emprestado, pode cair fora.

SEBIM – Não é nada disso, andei sabendo que o povo tá comentando que você não é de nada e além de passar de um babaca , é letrado... mas nunca conseguiu conquistar uma moça de família.

LUCILIO - (irritado) Mas que povinho abusado!

SEBIM – (concordando) É sim, (irônico) e como sou inferior a você...

LUCILIO – (concluindo) E bota inferior nisso!

SEBIM - Acho que o povo ta é com inveja de tu e dúvida da sua capacidade pra conquistar uma mulher.

LUCILIO – (Em tom de superioridade) Eu consigo tudo que quero.

SEBIM – Mas o coração da Martinha não.

LUCILIO – E quem é essa tal de Martinha?

SEBIM – Oxi! E não lembra? É a filha do fazendeiro Leopoldo, a moça mais desejada do “arraia” de Bodorocó, seu pai só quer pra filha d’ele,um homem formado , você deve de ser um grande “adévogado”, respeitado e estudado...tô certo ao seu respeito?

LUCILIO – Claro que sim. Mas não me importo com o que essa gentinha pensa de mim, e não estou nenhum pouco afim de filha de ninguém.

SEBIM – Eita que o povo ta certo. Tu num tem é capacidade pra isso. Desse modo, quero morrer burro!

LUCILIO – (se orgulhando) Jamais subestime a capacidade de um homem culto como eu.

SEBIM – É... parece que você vai perder mesmo pro “jéca” do Artênio .O cabra mais lascado e burro de toda Bodorocó.(pra platéia) que coisa não!

LUCILIO– Ta legal você venceu. (determinado) irei conquistar o coração dessa tal de Martinha. Afinal, é minha “reputation” que está em jogo, não permitirei zombarias por um bando de matutos ignorantes.

SEBIM– Eita que cabra macho!

(Saem de cena , de repente Lucilio vai falar com sua mãe)

Aurora Numbora (Ato 1- Cena 2)

LUCILIO – (Dengoso) Ô mainha!

MÃEZONA – (Geito de mãe coruja) Que é amor da minha vida, fale que sua mãezinha ta doidinha pra te ouvir.

LUCILIO – Um nativo chegou perto de mim.

MÃEZONA –(preocupada) Ai meu Deus! Ele te contagiou? Mas você não se aproximou muito não foi queridinho?

LUCILIO – (mimado) Não minha rainha, ele só me deu nojo. não sabia nem se expressar, é um típico analfabeto, um tal de Sebim, que nome ridículo não é mainha ?

MÃEZONA - É sim meu anjinho! mas a sua mamãe ta aqui pra te proteger,ele te ofendeu, meu amor?

LUCILIO – Não q- quer dizer sim...ou terá sido não? sei lá ...só sei que chegou falando barbaridades e assassinando o português.

MÃEZONA –(desesperada) Que português, o seu tio Manuel?

LUCILIO – Não mulher. Refiro-me à língua portuguesa.

MÃEZONA – Ah sim, que alivio! Não ligue pras coisas que esse ignorante fala.

LUCILIO - Ele falou que eu não conseguiria conquistar moça nenhuma e que não seria capaz de roubar o coração de uma tal de Martinha. Mainha a senhora sabe muito bem que eu consigo não é?

MÃEZONA – Bem querido , é claro que sim,mas logo a filha do Leopoldo, você não falou que era uma moça ? Aquela é mais rodada que pneu de carroça velha, existem tantas moças de verdade rondando por aqui, e eu também não gosto muito do pai dessa menina, dei muito fora nele quando éramos adolescentes.

LUCILIO - Vigi mainha faz tempo, nessa época já tinham inventado a roda?(risadas)

MÃEZONA – (séria) Não estou vendo motivo algum pra risadas. (pausa toda sem jeito por alguns segundos esperando ele parar de sorrir)

LUCILIO – Foi mal mainha , mas a final vai me ajudar ou não?

MÃEZONA - Vou pensar no seu caso. Já que nunca vi você com nenhuma menina... quando era criança só queria saber de andar com o Tonhão ; se ia pro riachinho, o Tonhão ia atrás , se ia a escola o Tonhão ia atrás, se ia brincar de esconde- esconde o Tonhão ia atrás ,se andasse de bicicleta, ah nem se fala, o Tonhão ia na garupa, quando foi acampar com os escoteiros...

LUCILIO – ( Interrompendo a mãe desesperado) Não mamãe não fale mais nada por favor.Dessa vez o Tonhão não foi .eu juro, eu juro, eu juro!

MÃEZONA - Sei não, mas sabia que eu nunca entendi porque te chamavam de “Lulu esconde-cobra”?

LUCILIO – Ta bom mamãe, pelo amor de Deus num fale mais nada ta legal? chega lá pro pai de Martinha e convence-o de que sou um homem exemplar... Afinal é minha reputação que está em jogo.

MÃEZONA – Ta bem, ta bem, irei lá falar com o velho, mas isso é pra vê se não começam a falar que tenho um filho que joga no outro time.

LUCILIO –(abraça e beija o rosto) Ai mainha, te amo muito sabia?!

MÃEZONA - Ta legal, mas só uma coisinha...

LUCILIO --- Sim.

MÃEZONA- (séria olhando no seu olho) Não me chama mais de mainha, seu veado.

(Saem de cena, nessa hora a Kaquinha chega com algumas malas na casa de Leopoldo e dar de cara com sua prima Martinha)

Aurora Numbora (Ato 1- Cena 3)

KAKINHA – Bom dia Martinha! como você tem se passado?Já faz alguns meses que não piso por aqui, estou de férias, espero que o tio Leopoldo não se importe de minha visita tão indesejada.

MARTINHA - Acho que papai não vai nem perceber .

KAKINHA - Como é que é? o que você quis dizer com isso, “heim”?

MARTINHA - Nada não (se fazendo de inocente) Eu falei alguma coisa?! Acho que você está ouvindo demais da conta “uai”...eu falei somente que o papai não iria nem perceber que você está (com um tom irônico) per-tur-ban-do...

KAKINHA - Por um acaso você está dizendo que eu perturbo é?

MARTINHA - Não priminha pelo amor de Deus e a pomba da paz! não pensa uma coisa dessas de mim... minha saudade é imensa por ti... você sabe disso, não é? mas me conta como é que está o tio Lucicarpo Divino? continua gagá ainda ... q- quero dizer esperto?

KAKINHA – (Dengosa) Para de falar que “painho” é gagá... ta legal queridinha?

MARTINHA - Eu disse isso? (cara de pau, fala pra platéia) vocês ouviram alguma coisa? É priminha, a cidade grande fez foi piorar suas veias auditivas. Se é que ouvido tem veia... (risos) Mas me conta o motivo de sua visita, você sabe o quanto estou feliz por você!

KAKINHA – Chega de saudações sínicas, prima, eu quero ver titio, posso saber o paradeiro dele? Ou será um sacrifício pra você?

MARTINHA - Não sei dizer onde papai se encontra, mas creio que deve de estar com sua companheira inseparável -a garrafa de cachaça- o velho bebe dia e noite , não para nem pra dormir,sabe como é né , ele fica lá na roça cuidando do rebanho,o pobre só vive disso...

KAKINHA – Pára de falar assim de titio. Ele é muito trabalhador e honesto.

MARTINHA – (desconfiada) O que é que você quer? Diga logo... “quando a esmola é demais, o dono da casa é no mínimo é aposentado”.

KAKINHA - (mais cara de pau que a prima) – Eu? Como é que você pode fazer um mal juízo de sua própria prima assim?! Isso me deixa tão triste...

MARTINHA – Ah para de frescura e diga logo o que é que você quer? Que eu já te conheço muito bem, e não é de hoje não. Se for dinheiro, pode ir parando por aí, papai não recebe a aposentadoria há alguns meses, e não pode te ajudar dessa vez, sinto muito Cassandra Raposo Tavares da silva, ou “raposinha intocada” vulgarmente conhecida como: Kakinha das cocadas...(risadas)

KAKINHA - (com cara de choro) Você deve ser a prima que o diabo não quis... não façais isso comigo, eu sempre fiz tudo por você...Será quer não lembra?

MARTINHA – É... eu lembro muito bem...desde o dia que você me deu café coado com a meia de papai e colocou merda no travesseiro de minha cama... belas lembranças! Não é?

KAKINHA – Ei, pare com essas acusações, você nunca provou isso ta?

MARTINHA – E da vez que a gente tava de castigo, você peidava umas bombas de ovo cozido, que por sinal, eram” bem” mal passados.

KAKINHA - Você também não pode provar isso.

MARTINHA - Então quem é que estava presa no quarto escuro comigo? eu não fui...ah só pode ter sido a parede, bem ...

KAKINHA – (interrompe) Nossa... nunca fui tão humilhada ! Você é uma ingrata, Pervertida e Mal agradecida. (chorando) Se eu imaginasse que sairia de tão longe pra ser humilhada pela minha prima de sangue legítimo...

MARTINHA - (imitando-a) “sangue legítimo” sei... vá pra lá! Papai chega já... e não tocamos mais nesse assunto.

KAKINHA - Ah! você ta é com medo de seu pai ficar sabendo quem bebeu o “wisque” importado que a finada sua mãe (benzendo-se as duas) que Deus a tenha! deixou pra ele...e depois de ficar bêbada sair no meio da rua dizendo...” me possua Tonhão ...que eu to doida! Faças de mim sua vagabunda , me maltrata cachorrão ... que o velho do meu pai ta viajando...” é isso que você ta com medo não é? De santinha você nem o pau “oco” tem... mas ta legal, não tocamos mais em nossos passados podres. Eu te perdoou.

MARTINHA - Tudo bem priminha, não tocamos mais nesses assuntos desagradáveis (passa um tempo em silêncio) você tem sorte de eu não ter dito a papai que foi você que matou a cachorra que ele tanto gostava. Ah.. “mô” deus! coitadinha da Fifi ... Tão fofinha! Porém assassinada por uma doida chamada Kakinha... que triste fim pra Fifizinha, seria bem melhor se ela tivesse sido atropelada por um táxi luxuoso em Nova York ou por uma limusine em Hollywood.

KAKINHA - (grita) Ô Tonhão!!!!

MARTINHA– Eu me rendo, me rendo! Você venceu.


( De repente Leopoldo entra na casa com uma espingarda assustado com o grito de Kakinha, e gritando...)

LEOPOLDO – Cadê o safado? onde ? onde ? ah se eu pego!

KAKINHA - Titio meu amor! Não conhece mais sua sobrinha bonitinha?

MARTINHA -( resmungando) Bonitinha é três vezes feia em latim...

LEOPOLDO - Kakinha! ah quanto tempo! Como você ta linda!

MARTINHA - É, o velho ta de porre outra vez!

LEOPOLDO - Me dê noticias do meu irmão Lucicarpo, To morrendo de ”sórdade”...

KAKINHA – Painho ta bem, ele me mandou aqui pra avisar que as cabras estão precisando de ração.

MARTINHA - Mas “ peraí” ..você num mora na cidade grande?

KAKINHA – Mas painho mora no sitio entendeu agora ?

MARTINHA – (Desconfiada) Sei...

LEOPOLDO – Não liga pra sua priminha, ela é assim mesmo, ela ama você... afinal, foram criadas juntas...ela é assim, menina prendada tem ciúmes de outra prendada... num é fia?(martinha não fala nada, e Leopoldo insiste) num é verdade martinha?

KAKINHA - ( Irônica ) Fala sim ou não priminha.

MARTINHA - (Toda sem jeito) É!

LEOPOLDO - Ah como é bom ver a família reunida! só falta a minha finada esposinha (se benzem todos) que Deus a tenha! Seja bem vinda Kakinha, agora eu queria um cafezinho que só você sabe fazer.

MARTINHA - (Com ciúmes) Papai!

KAKINHA --- Vai querer (Destacando a palavra “meia”) meia xícara ou mais de uma titio?

LEOPOLDO – Só meia mesmo, pois daqui pra pouco vou tomar uma lá no boteco.

MARTINHA -- Mas papai, tem certeza que vai querer café?!

LEOPOLDO -- (Gritando)Sim minha “fia”.Eita minina ciumenta da gota serena! É muito amor, “minino”!

(As primas saem juntas e Leopoldo toma um gole de cachaça , de repente Mãezona encontra-se com Leopoldo e acontece uma longa conversa a respeito de seus filhos)

Aurora Numbora (Ato 1- Cena 4)

(Mãezona encontra-se com Leopoldo e acontece uma longa conversa a respeito de seus filhos)


MÃEZONA – Bom dia Seu Leopoldo,como se tem passado?

LEOPOLDO – Muito bem, obrigado!

MÃEZONA – Mas que tom de voz é esse que o senhor está usando pra falar comigo? parece até que fiz algo errado...

LEOPOLDO – Ah! agora vai me dizer que não lembra da safadeza que me fez passar na festa de são João de 82, quando me deixou esperando e foi dançar com o Tonhão? O que é que tu ta inventando?

MÃEZONA – Nada não Lêlêzinho, é que naquele dia você tava tão preocupado olhando pra rua que nem eu entendi o porquê daquelas “olhança” toda.

LEOPOLDO – Ah lembrei!

MÃEZONA – (sorri com um ar de falsidade) ainda bem!

LEOPOLDO – É que eu sou um “homi” muito ciumento , num sabe? Eu tava de “ôio” na minha finada esposinha ( benzem-se a e ambos falam) -“que Deus a tenha”! - Pra ver se nenhum outro macho ia roubar ela de mim, a bichinha era uma santa , um amor de pessoa, era capaz de se jogar na frente de uma carreta por amor a mim. Ah que saudade da minha cheirosa!

MÃEZONA – Ah! ta bem seu ingrato, eu que sempre te amei e você nem ligava pra mim,agora fica ai falando da finada como se ela fosse a rapadura de mel de abelha italiana.

LEOPOLDO - Mas que conversa é essa” muié”? se era você que nem queria saber de mim.
quando me via, parecia que tava vendo o cão.

MÃEZONA – Eu? (irônica) Você não se lembra de quando fui até sua casa, dar as boas vindas à sua filha Martinha no dia que a bixinha nasceu, que dois anos depois era a melhor amiguinha do meu filhinho Lucílinho , o menininho mais fofinho desse lugarzinho “muximba” .

LEOPOLDO – Só faltou o leite ninho pra rimar. Você não me engana cobra desdentada, me fale logo o que tu quer, pois tenho um monte de coisas pra providenciar

MÃEZONA – A única coisa que tem pra fazer nesse fim de mundo é beber até topar, no seu caso bebe pra dormir e acorda pra beber

LEOPOLDO – Ei num bagunça não, eu “pastóro” as “úvêia” e cuido muito bem dela, dou a elas o apoio que precisa,comida todo dia,atenção e muita... muita felicidade! elas são as coisas mais importantes pra mim pois elas” num” são” interesseiras” e fazem as coisas sem reclamar, são as únicas que que não ficam por ai me julgando por ser um cabra que gosta de tomar uns “gorós”.

MÃEZONA – É , nota-se, a atenção é tanta pra elas que esquece de dar pra filha Martinha o carinho dos braços e coração paterno, por isso ,tem uma filha falada e mal criada

LEOPOLDO – Lave a boca antes de falar de minha Martinha,ela é uma menina moça (destacadamente) e muito moça!

(De repente entra Sebim)

SEBIM - É... o Tonhão que o diga!

LEOPOLDO – (Põe as mãos no bolso,como se fosse sacar uma arma, e tira uma garrafa de pinga) Como é que é seu cabra?Por um acaso tu ta se referindo a minha menina é?(Aponta a garrafa de cachaça pra Sebim) olhe que posso te dar um tiro com meu “resolve” cabra sem vergonha.

SEBIM – Não é nada disso não Seu Leó.

MÃEZONA – Hum! Que intimidade é essa Leopoldo? como você caiu de moda! onde é que está aquele fazendeiro rico criador de gado de Bodorocó,perdeu a moral mesmo foi?

LEOPOLDO – Hora sua velha!

SEBIM – Calma seu Leó (Impedindo ele de insultar Mãezona) só vim dar um recado do dono do bar; ele disse que você pagasse até a próxima segunda o que deve lá no boteco senão ele vem com a policia prender vossa excelência e num ia ficar nada bonito pro senhor.

LEOPOLDO – Eita que eu devo mesmo “ói”! Mas o dinheiro da minha aposentadoria ainda não chegou...

MÃEZONA - Tem nada não, do jeito que o povinho d’aqui é, e como tu deve ter acabado com o estoque do boteco...ele vai querer pagamento em ovelhas .

LEOPOLDO – Cala a boca sua mocréia!

SEBIM– Ela esta certa seu Leó , parece que sua dívida vai ser paga com as ovelhas mesmo. e se o senhor não tomar cuidado vai perder tudinho , “inté” mais vê...(Leopoldo e Mãezona ficam como estatuas e Sebim fala pra platéia)E agora, o que vai acontecer? O seu Leopoldo está em uma sinuca de bico, a mocréia da Mãezona quer fazer de tudo pro velho convencer a Martinha que seu filho pode ser um par perfeito pra ela. Será que a jararaca vai” chantagear” o bêbado?Eu num sei... mas prefiro cair fora.
(sai de cena)

A chantagem...

(Saem da posição de estatua e Mãezona começa a soltar seu veneno)

MÃEZONA - É, Leopoldo, parece que é sério mesmo a sua situação! Mas nem tudo está perdido, meu filho que é formado em direito pode muito bem falar por você .

LEOPOLDO – Quê ? mas seu filho num foi embora ainda menino pra cidade grande estudar?

MÃEZONA – É esse mesmo, ele voltou e já veio formado, pronto pra atuar nas causas mais complicadas e em prol dos oprimidos.

LEOPOLDO - Mas ele virou “homi”?

MÃEZONA – (Brava) Como assim “virou homem”? Ele sempre foi macho.

LEOPOLDO - Mas num é aquele que só andava com o Tonhão? “Tadim do bixim”, nem puxou o pai, seu finado marido Dr. Capitão, um cabra respeitado, corajoso e valente que só cometeu um grande erro na vida ,que foi casar com você...

MÃEZONA ---- O Quê ? pare de falar assim , você também não é lá grande coisa!(sorri)

LEOPOLDO --- Pois é, foi bem eu que cheguei me chamando de Lêlê... mas, ele num vai cobrar caro pra me ajudar? É como falei : estou lascado sem dinheiro e a minha aposentadoria atrasou , se ele me defender, vai querer receber um babujado , porque seu menino pode ser meio lá e meio cá... mas “num” deve de ser besta de trabalhar de graça, só quem faz isso é relógio.



MÃEZONA - Podemos negociar, Já que você falou que meu filhinho joga no outro time e que você precisa muito d’ele pra se safar das dividas, podemos fazer um jogo na mão de sua filha... É um bom negócio, não é?

LEOPOLDO – (clamando com as mãos pro céu) Mas o que é que eu fiz meu Deus pra merecer isso?Primeiro vem as minhas pobres “uvêinha” , depois o mendigo da cidade me chamando de Leó com a maior intimidade do mundo e agora essa velha gorda esbaforida me “chantageando” com essa história de entregar minha filhinha única e moça pra um rapaz que ta mais pra flor do que pra” homi”, me diga eu preciso saber! (começa a chorar desesperadamente)

MÃEZONA – E ai seu velhote é pegar ou largar.

LEOPOLDO – To fora!

MÃEZONA – Então pode dar adeus pras suas queridas ovelhinhas.

LEOPOLDO – ( Há um clima de silêncio, Leopoldo pensa por alguns segundos e logo aceita o acordo)
Ta bom, ta bom, você venceu (Tristonho) terei que fazer esse sacrifício, afinal faço tudo pelas minhas “uvêinhas” querida.

MÃEZONA - Então vamos marcar o encontro, para que sua menina nem desconfie.

LEOPOLDO – (Ainda sem jeito) Ta bom, ta bom,vamos “simbóra” já sofri de mais por hoje.

(os dois saem...)

[fim do primeiro ato] ...

Aurora Numbora (Ato 2- Cena 5)

“Feitiço contra feiticeiros”


SEBIM - (Falando pra platéia ) Pois é, a verdadeira história está apenas começando : o velho Leopoldo encontrou uma sarna grande pra se coçar, e começa a aparecer o lado podre do homem, a chantagem emocional junto com o “escambau” .mas será que a mãe do Lucilio vai conseguir o que quer? sei não, mas acho melhor ficar só olhando o desenrolar dessa prosa.

(Entra Kakinha junta com Artênio)

KAKINHA – Olá rapaz você é o Artênio, ou estou confundindo?

ARTENIO – É moça sou eu mesmo. Mas quem é você que não estou lembrando bem?

KAKINHA – Sou a Claudinha ,mais conhecida como Kakinha, sobrinha do Leopoldo...lembrou agora?

ARTENIO --- Ah lembrei! Você é a menininha do riacho,imagina só se eu iria esquecer uma lembrança tão gostosa como essa?

KAKINHA--- Ué, gostosa por quê?

ARTENIO --- Ô moça, nem queira saber, senão tu me mata de tanta porrada.

KAKINHA---Ah ,agora fiquei curiosa, fala garoto,que lembranças são essas de mim?

ARTENIO --- É coisa de menino.

KAKINHA-- Fala.

ARTENIO -- Já f disse que é coisa de menino

KAKINHA--- (Irritada) Ah fala logo pô!

ARTENIO---. (Envergonhado) Deixa pra lá.

KAKINHA --- (Dengosinha e sedutora) Ah fala gatinho, por favorzinho!

ARTENIO--- Ah! me pedindo assim dengosinha eu falo o que quiser!

KAKINHA --- (Pro público) Se você quer alguma coisa de um homem, não precisa de muita coisa, basta usar seu senso de mulher fatal que os Hormônios fazem o resto pra você.

ARTENIO--- Ta bem, foi assim... Lembra de quando você e Martinha iam juntas tomar banho no riacho?

KAKINHA – Lembro sim.

ARTENIO --- Pois é, então Sebim , Patrício, os irmãos Ferreira e eu, íamos “curiá” vocês duas banhando-se (encantado) ah que coisa mais maravilhosa ; As duas nuazinhas, lindas, deixando a gente mais molhados ainda , ah meu Deus que delicia era aquilo!

KAKINHA ---- Ah ta e daí?

ARTENIO--- Ué ! não vai me bater e nem me xingar?

KAKINHA -- Eu não , tenho coisa mais produtiva a fazer.

ARTENIO – O mais legal era quando Martinha e você começavam a brigar: tapa pra lá , tapa pra cá, ponta pés , porrada... Que massa cara! Cheguei ao nirvana!(pausa) Ah! eu sempre ganhava as apostas.

KAKINHA--- Só apostava em mim não era?

ARTENIO --- (Arregala os olhos e responde sem jeito) Não. Só na Martinha.

KAKINHA--- (Irritada e irônica) Obrigado pela parte que me toca.

ARTENIO --- Mas tem uma coisa que eu fico cabreiro sempre quando passamos juntos na rua. Todo mundo fica dizendo “Olha lá a turma da mão de obra!”...

KAKINHA--- (Risos) Como vocês são lerdos, mão de obra é porque vocês iam pro riacho... (se toca e percebe a besteira que ia falar).

ARTENIO--- (Animado) Ah sim riacho fazer o quê?

KAKINHA-- é.. é... (Pensativa) Tomar banho e caçar passarinho.

ARTENIO--- Ah que idiotas. Nada a ver !

KAKINHA—( Pra platéia) Ufa! esses homens cada dia com menos cérebro!

ARTENIO--- Estou sendo sincero moça.

KAKINHA-- Ta bem, passado é passado. Mas faz tanto tempo que saí desse povoado , você ainda continua trabalhando na roça, não é?

ARTENIO --- É verdade,mas a cada dia que passa me orgulho cada vez mais de lidar com a natureza , as ovelhas do Sr Leopoldo, é .. as ovelhas do Leopoldo ...as ovelhas e, e só.

KAKINHA ---Você nunca pensou em sair da roça e morar na cidade?

ARTENIO-- Sei não moça, mas...

MARTINHA --- ( Interrompendo a conversa) “Peraê”! queridinho, “num” bagunça não . tudo... menos chamar essa ai de moça, uma louca mais rodada que pneu de caminhonete F 4000 que faz a linha Natal –Mossoró e que carrega os trabalhadores da firma da banana...me poupe!

KAKINHA --- Ah menina , como você é inconveniente , não pode nem me ver conversando com alguém mais evoluído que já vem tentar me derrubar.Se manca garota.

MARTINHA --- Se incomodo, é porque posso.

ARTENIO --- Ah parem as duas agora .isso é coisa de criancinha , ficar brigando no meio da rua, parecem mais duas cachorras.

MARTINHA --- Ora quem você chamou de cachorra seu cabra? Repita se for homem.

KAKINHA--- Não precisa gatinho, eu mesmo terei o prazer de repetir. (soletrando) CA-CHOR-RA.

MARTINHA -- (Clamando aos céus) Ah pai, alem de feia é burra! Será que você não acabou de confirmar que também é uma cadela?( Risadas)

ARTENIO -- Mas se você Martinha também está sorrindo é porque também é uma cadela, ainda por cima burra, já que ela falou que ambas eram cachorras, ou seja burra ao quadrado elevado a quinta potência.

MARTINHA e KAKINHA ---(Admiradas) Oh!!!!!

MARTINHA -- As vezes fico a me perguntar , “como é que uma cabecinha dessas que só conhece merda de ovelha pode pensar algo tão profundo”?( Olhando no olho de Artênio ) Ta bem seu roceirinho de meia boca, irei imediatamente falar pra papai não te pagar este mês , quem sabe assim não pára de ser tão metido.

ARTENIO -- (Preocupado) Não, por favor Martinha , não faça isso comigo,te peço mil desculpas pelas palavras que a magoaram.

MARTINHA -- Vou embora estava de passagem mesmo , não tenho tempo pra estragar minha beleza com tipinhos como vocês, fui.

KAKINHA -- Já vai tarde priminha do meu coração, o tanque de roupas sujas te espera.

MARTINHA -- (Avançando pra cima da prima) Ora sua vaca! Eu te estrangulo...

ARTENIO -- (Apartando as duas) Já chega as duas, parem por favor.

MARTINHA -- Idiotas! Vocês parecem que nasceram um para o outro, dois seres desprezíveis, vou sair de perto, vai que terei o azar de me contagiar com vocês... (sai da cena)

KAKINHA -- Não entendo essa minha prima, só vive com raiva da vida, se soubesse o que se passa na cabecinha mimada dela, dava um jeito de arrumar essa mentinha infantil.

ARTENIO ---É falta de amor, carinho e de alguém que cuide dela, Martinha foi criada sem a mãe , seu pai praticamente não liga pra ela por causa da droga da bebida...

KAKINHA--- Ué, mas com é que você sabe tudo isso a respeito de minha prima?

ARTENIO -- Convivo diariamente com ela , raramente nos falamos,percebi o que falta em sua vida, é um amor verdadeiro, por isso não a culpo de ser tão revoltada , mesmo assim ela é muito especial pra mim.

KAKINHA -- Falando assim parece que você sente algo muito forte por ela...

ARTENIO -- E sinto. O que existe dentro de mim é o amor sincero, daqueles que a gente não consegue explicar, é muito simples dizer, mas difícil é ela perceber que a amo muito.

KAKINHA--- Ah como eu queria que alguém me amasse assim e falasse palavras bonitas! Sem duvidas iria me sentir a mulher mais feliz do mundo inteiro!

ARTENIO— Espero que um dia encontre alguém pra te fazer feliz.

KAKINHA -- Ah isso seria muito bom. Mas por que não se declara pra ela? Acho que seria um bom começo...

ARTENIO --Bem que queria, mas sou muito tímido.

KAKINHA -- Ah ta! Mas pra ver a gente tomando banho e ganhar o apelido de “trabalhador braçal” não tem um pingo de vergonha não é?

ARTENIO--- É diferente (Risos) mas ela só quer alguém que tenha um bom estudo e dinheiro, não seria muito interessante pra ela :passar pelo menos um bom tempo de sua vida com um pobre pastor de ovelhas.

KAKINHA -- Infelizmente minha prima é assim, muito materialista , mas acredito que se você chegar e falar o que manda seu coração , iria se livrar desse sentimento que o aflige tanto, você é um rapaz bonito , inteligente e parece ser muito romântico também...

ARTENIO —Pára com isso, não é pra tanto . Mas creio que você tem razão, vou criar coragem e me declarar pra ela. Sabe Kakinha,você me parece uma pessoa especial e espero que sejamos grandes amigos obrigado mesmo pela força.

KAKINHA--- Que nada, apenas tentei ajudá-lo... Agora tenho que ir depois conversaremos mais. Tchau.

(Assim que Kakinha sai de cena ,Sebim aparece e começa a dialogar com Artênio)

SEBIM – E ai Artenio, não foi pro roçado hoje?parece que a prosa com kakinha do riacho tava boa num é?

ARTENIO--- Ah Sebim nem vem com brincadeira, hoje não estou muito afim. Mas me diga aconteceu algum problema?

SEBIM--- Sim e dos grandes...

ARTENIO--- Oxi homem, fale logo!

SEBIM--- Parece que o Sr Leopoldo perdeu todo o rebanho pra pagar uma dívida grande que fez lá no boteco.

ARTENIO -- Não pode ser verdade! De que vou viver? Aquelas ovelhas eram meu ganha-pão embora ganhasse tão pouco.

SEBIM--- Mas o pior tu ainda não sabe .

ARTENIO --- E o que é pior que perder todo o rebanho ?

SEBIM---A mulher que você ama...

(De repente ouve-se um grito)

MARTINHA –“ Nããããããããão !”

(Martinha está sentada em uma cadeira, o pai Leopoldo dialoga com ela, imagina-se que estão dentro de casa)

LEOPOLDO – Infelizmente querida vamos morar na rua, perdemos nossa casa e as ovelhas e estamos sem ninguém.

MARTINHA--- (chorando) Como pode papai ; perder tudo ? Agora vamos mendigar pra poder ganhar o que comer e minhas roupas caríssimas, terei que desfazer de todas?

LEOPOLDO -- Sim filha.

MARTINHA -- Tudo por causa da sua maldita bebida (chorando)

LEOPOLDO-- Ei menina respeita seu pai.

MARTINHA -- Você não merece respeito.

LEOPOLDO-- Como se atreves a falar assim comigo muleca?

MARTINHA -- (Ainda chorando) Pouco importa ,melhor viver sem pai do que ter alguém que nunca ligou se quer pro que eu falava, nas festas da escola do vilarejo, todas as meninas levavam seus pais para as prestigiarem , mas eu... nunca tive esse prazer, o senhor sempre foi ausente.

LEOPOLDO -- Você sabe que te criei como pude...

MARTINHA -- Você esqueceu de mim, isso foi o que aconteceu ao longo desses dezoito anos.

SEBIM -- (Ouvindo a conversa por fora da casa) Hum dezoito aninhos...que delicia!

ARTENIO -- (Fala em tom raivoso) Ei cabra, respeita a minha Martinha .

SEBIM – Vai sonhando “mané”, que um dia você chega lá , agora cale a boca e vamos ouvir a prosa.

LEOPOLDO -- ( a prosa continua) Não seja tão ingrata menina.

MARTINHA--- É verdade sim, nem a minha festa de quinze anos tive.

LEOPOLDO— Teve sim.

MARTINHA-- Aquilo não é festa.

LEOPOLDO -- Ora mais, deixa de coisa feia, todos estavam aqui em casa...

MARTINHA--- Você chama aquele bando de pobres de gente? Eu queria é que tivessem pessoas ricas, importantes e não um roceirinho medíocre, uma prima sem futuro e invejosa e meia dúzia de ignorantes, e nem valsa eu tive ...

LEOPOLDO -- (Interrompendo) Não pode falar isso, fiz tudo que pude por você.

MARTINHA-- De que adiantou? Se perdeu tudo por causa da maldita bebida?

LEOPOLDO -- (Envergonhado) Filha não fale mais nada, estou muito velho e cansado.

MARTINHA--( Exaltada) Dane-se sua velhice . Agora o que é que eu faço?

LEOPOLDO -- (Olhando nos olhos) Procure um homem rico que resolva nossa situação.

MARTINHA -- Bem que queria, mas quem será esse tal homem rico que vai me dar tudo que quero?

LEOPOLDO – Olhe, rico eu não sei, mas existe alguém que diz em por ai amar muito você...o Artênio, meu empregado.

ARTENIO -- (Feliz) Nossa ele falou de mim Sebim, ele falou de mim!

SEBIM— Não se anime tanto caro amigo.

ARTENIO -- O que será que ela vai dizer?

MARTINHA -- Ah papai deixa de piada ! Aquele pastorzinho ridículo não da mesmo.

SEBIM -- Num falei pra tu?

LEOPOLDO -- Mas ele gosta muito de você e é um rapaz trabalhador e honesto.

ARTENIO -- Muito bem Sr Leopoldo é isso mesmo!

MARTINHA -- Amor e honestidade não enchem barriga papai.

SEBIM -- Amigo, ela tem razão ,vamos embora.

ARTENIO -- (Triste) É verdade mesmo. Mas vou ficar pra ouvir alguma coisa, vai surge uma esperança pra mim...

SEBIM -- Eita que rapaz sonhador é tu “homi”!

LEOPOLDO -- Então só tem um jeito.

MARTINHA -- E qual é? Tonhão; o infeliz beberrão de toda a fazenda?

LEOPOLDO -- Não.

MARTINHA -- Então me diga quem é esse homem.

LEOPOLDO – O Dr. Lucílio filho de dona Mãezona.

MARTINHA -- O tal advogadinho?

LEOPOLDO -- Sim.

MARTINHA -- Ele é rico?

LEOPOLDO -- Tem lá alguma coisa pra oferecer...

MARTINHA -- Papai o senhor ta insinuando que eu sou mercadoria?(pausa) Ai papai não sei não, mas seria uma boa idéia conhecê-lo do que ficar nessa miséria, depois pediria divorcio...

(De repente Sebim e Artenio entram na casa do Sr Leopodo)

SEBIM --- Eita seu Leopoldo a gente veio correndo pra saber o motivo de tanta gritaria.

LEOPOLDO -- Num tem gritaria nenhuma aqui rapaz!

ARTENIO -- A gente achou que tivesse acontecido alguma coisa grave, fiquei muito preocupado com a Martinha.

MARTINH -- Dispenso suas preocupações ridículas meu queridinho.

SEBIM -- ê ê ê ela te chamou de “queridinho”! num vai nem dormir hoje num é?

LEOPOLDO -- Ei cabra deixa de gracinha pra riba de minha menina.

ARTENIO -- Fiquei sabendo o que aconteceu com o rebanho Sr Leopoldo , é verdade isso mesmo?

LEOPOLDO -- Cale essa bendita boca , tu num tem nada a ver com isso.

ARTENIO --Tenho sim, como é que vou cuidar da minha mãezinha, “tadinha” anda tão adoentada!

LEOPOLDO -- Problema dela, e quer saber de uma coisa: não preciso mais de seus serviços aqui nas minhas terras.

ARTENIO -- Oxi! Mas você não pode fazer isso! Por que não quer mais que eu trabalhe aqui?

LEOPOLDO -- Porque não te devo explicações cabra.

SEBIM--- Ah ,mas deve sim sinhô! Ele trabalho e tem que receber por isso.

LEOPOLDO -- Cale-se seu miserável. A conversa ainda não chegou no chiqueiro.

ARTENIO -- Ele tem razão eu quero receber.

MARTINHA -- (Com um jeito bem sedutor) Olhe Arteninho, deixa isso pra lá , papai está muito velho e cansado.

LEOPOLDO -- Tu me respeita menina, num é pra tanto...

SEBIM --- É verdade (Risadas) ta “véi’ mas é igual aquela musica que diz assim (Cantando)“ num interessa se ela é veia, panela boa é que faz cumida véia”.

ARTENIO --- (Completamente decidido) Ah já chega, pode ficar com seu dinheiro podre , eu vou procurar alguém honesto pra me ajudar. Passar bem vocês. Vamos Sebim aqui já deu o que tinha de dar.
(saem)...


(Na próxima cena , entram Lucilio e a Mãezona, conversando algo sobre o futuro casório...)

Aurora Numbora (Ato 2- Cena 6)

LUCILIO --- Ai “mami”, o que será que a tal filha do criador de ovelhas decidiu?

MÃEZONA – O que decidiu não sei, mas quer saber de uma coisinha?

LUCILIO – Sim.

MÃEZONA --- Pára de me chamar de “mami”, isso é viadagem.

LUCILIO --- Ah, deixa de coisa ridícula, isso é uma forma carinhosa de chamá-la.

MÃEZONA --- Prefiro não escutar isso de você outra vez.

LUCILIO -- Deve ser por isso que foi mal amada, não gosta ou nunca encontrou um homem sensível, por isso que tudo parece ser”viadagem”, como diz...

MÃEZONA--- Pára com isso. Seu pai foi um homem de brio, macho e tinha muitas mulheres...

LUCILIO --- E daí? A senhora acha que isso é qualidade? O verdadeiro homem tem que ser sensível, carinhoso , romântico e atencioso.Coisa que meu pai nunca foi para com a senhora.

MÃEZONA--- Ora! onde foi que você aprendeu isso, nos livros?

LUCILIO --- Não.Nenhum livro nos ensina a ser nós mesmos.

MÃEZONA--- E com quem foi que aprendeu essas coisas?

LUCILIO --- Com a vida. Ela foi muito amarga comigo.

MÃEZONA --- Amarga?

LUCILIO --- É, esse tempo em que passei fora de casa me proporcionou muita miséria, fome e ignorância dos homens uns com os outros.

MÃEZONA --- Mas você passou tanta privação assim?

LUCILIO --- (Debochando) Eu mesmo não. Eu via era os outros, o dinheiro que a senhora mandava pra mim era muito pouco, mas dava pra ir pras festas que aconteciam todo fim de semana.

MÃEZONA —Como assim, dinheiro pouco? Aquilo era tudo que nós tínhamos...

LUCILIO --- É, mas era pouco, só deu mesmo pra comprar meu diplom...

MÃEZONA --- O que foi que você disse Lucilio Antôni Filho Cabral de Albuquerque?Quer dizer que esse tempo todo lá fora era só enrolação? Você comprou um diploma? Mas que vergonha!

LUCILIO --- Eu explico mamãe, eu posso explicar...

MÃEZONA—(Irritada) É bom mesmo.

LUCILIO --- Foi o seguinte...

(De repente é interrompido por Sebim )

SEBIM --- Mas que bonito isso num é?fica pousando de intelectual, mas não passa de um charlatão.

MÃEZONA --- Ei, seu verme, você não ouviu nada.

SEBIM – Ah! mas é que ouvi sim. Aposto que esse povoado não iria gostar nada de saber que o tal “adevogado” não passa de um ralézinho falsificado.

LUCILIO --- E agora “mami” estou na mão de um marginal zinho.

SEBIM – Alto lá meu amiguinho fajuto.Eu sou igualzinho a você. Se quer que eu me cale e ninguém fique sabendo do manifesto você tem que me dar um ordenadinho semanalmente, pois preciso comprar uns trapinhos pra minha pele tão sensível.

MÃEZONA--- Isso é uma chantagem?

SEBIM – Muito inteligente a senhora!(Irônico) Te disseram isso ou você descobriu sozinha? Claro que é ! só queria umas trinta pratas,não é lá muita coisa, pois o seu finado marido, o Dr capitão (Olha pro chão) “que satã o tenha!” Deixou uma “aposentadoriazinha” gorda pra senhora.

MÃEZONA— Não fale assim do meu querido marido.

SEBIM --- Falo sim , aquele tampo era “raparigueiro” todo, e se aproveitava que usava farda pra bater na gente e abusar da autoridade,posso ser pobre e analfabeto, mas não “sô” um cachorro de rua... então que o Diabo que o tenha!

MÃEZONA --- Ta bem... vá embora e não se fala mais nisso.

SEBIM --- Não é bem assim que se negocia, madame. Ou libera os “trintinha” , ou seu filhinho fica desmoralizado em todo o povoado.

MÃEZONA —Tudo bem, tudo bem, não quero saber de escândalos, afinal , esse povinho é muito falador, cale sua boca e no fim do mês acertamos o preço de sua chantagem...

SEBIM -- Que nada minha senhora , eu quero é agorinha mesmo, pois “tô” precisando de uma roupinha limpa pra ir ao forró do Dagô...

MÃEZONA -- Vai com ele no banco filho, dá pra ele o valor que ele pediu, depois vamos ter uma bela conversinha em casa...

SEBIM—( Risos,tenta apertar a mão pra Mãezona, mas ela ignora) Foi muito bom negociar com a senhora .

(saem de cena todos)

Aurora Numbora (Ato 2- Cena 7)

(Nesta cena , Artênio vem chorando por causa da doença de sua mãe - que piora a cada momento - encontra-se com Leopoldo, que na o ocasião, traz Martinha pra conhecer o noivo Lucilio)

ARTÊNIO – (Desesperado) Ai meu Deus o que é que eu faço da minha vida? minha mãe está piorando a cada momento e não tenho o dinheiro pra comprar seus remédios...

LEOPOLDO — Ora! Ora! Não é o pastorzinho que está em minha frente?

MARTINHA - Ele deve estar pedindo esmola, pois não tem mais trabalho, (Pra Leopoldo) eu não sei papai, porque o senhor teve que suportar este rapazinho, esse tempo todo trabalhando pro senhor, olha como ele é ridículo...

ARTÊNIO – Não sei o que te fiz Martinha, pra você me tratar tão mal desse jeito. Por você eu só tive respeito e é assim que me trata?

MARTINHA—Não posso fazer nada, se você se apaixonou por mim, sei que sou poderosa e maravilhosa, não deixaria de viver minha vida com um homem que me daria tudo pra ficar ao lado de um pobre coitado como você.

LEOPOLDO - Diga pra ele querida, onde você está indo agora.

MARTINHA— Nesse momento estou indo ao encontro do meu noivo –Um homem rico e com algum futuro pra me dar - não um coitado como você, pobre , ignorante e rabugento.

ARTÊNIO – (Irritado) Já chega! Minha mãe está doente e não tenho tempo à perder com suas criancices, breve vocês irão sentir o peso de um coração partido, agora vou á cidade encontrar algum bico pra trazer os remédios de mamãe.

LEOPOLDO—(Irônico) Vai com Deus meu filho, desejo melhorias pra vossa mãe.

ARTÊNIO – Obrigado, mas o senhor ainda me deve muita coisa.

LEOPOLDO-- Você sabe que estou falido num é?

ARTÊNIO – Passar bem. (Sai de cena)

MARTINHA --- Vamos papai, preciso conhecer meu futuro esposo.

(De repente Lucilio e Sebim se encontram com Martinha e Leopoldo no meio da rua, Sebim vai logo dialogando)

SEBIM – Ora! Ora! Num é que estávamos á sua procura seu Leó!

LEOPOLDO – Mas que intimidade é essa comigo?

SEBIM – Querida Martinha, eis o seu futuro marido, é um homem rico, inteligentíssimo e muito caridoso,é uma boa alma, vai até me dar dinheiro pra comprar roupas pra ir pro forró do Dagô.

LEOPOLDO – Isso é verdade meu filho?

LUCILIO -- É sim,(irônico) minha mãe me ensinou o quanto é nobre fazer o bem aos menos favorecidos, (Ignorando Sebim) ta dinho! ele é tão maltrapilho, coitado... este, a mãe teve pena de parir de tão feinho e desnutrido.

MARTINHA -- Papai , esse é o meu futuro marido?

LEOPOLDO – Sim filhinha, deixe que eu te apresento à ele.

MARTINHA -- (Tomando a frente do pai e se cumprimentando-o ) Olá Lucilio , a quanto tempo não é?!

LUCILIO – Oi queridíssima “milêide”, é um prazer cortejá-la!

SEBIM -- (Interrompendo) Eu também acho, mas só que tem uma coisinha, o meu dinheiro.

LUCILIO -- Já vai mendigo.

SEBIM--- Nada disso, eu quero agora!

LEOPOLDO – Quanto você quer pra cair fora, vagabundinho?

SEBIM--- Nada ,seu velho maricas.

LEOPOLDO – Mas o que é que você tem pra falar desse jeito comigo moleque atrevido?

SEBIM --- Eu e o (Irônico)”doutor” temos um assunto pra resolver, portanto deixe-nos ir, vamos doutor?

LUCILIO -- É sim senhor, vou ao banco com esse pobre trapo e já -já estou de volta.

(Saem)

LEOPOLDO – Alguma coisa está errada... essa história, ta muito mal contada.

MARTINHA— Vamos embora papai, não vejo a hora de falar com minha querida sogrinha!

(Saem)

LEOPOLDO – Bela sogra você foi arrumar! Mas são minhas ovelhas que estão em jogo!

ARTINHA—Como é que é papai?!

LEOPOLDO --- Nada “muié”, nada!

(Nessa hora Kakinha entra em cena desconfiada, pois ela viu e ouviu toda a conversa que houve naquele instante)

KAKINHA – Ah mas tio Leopoldo falou uma coisa , e ele tem razão, tem alguma coisa errada acontecendo, e eu vou descobrir o que é.. ah se vou!

(Apagam-se as luzes)
[fim do segundo ato]...

Aurora Numbora (Ato 3- Cena 8)

SEBIM – (Pra platéia) Olá povo, inté que fim as coisas estão dando certo pro meu lado. Agora que o charlatão do Lucilio está em minhas mãos poderei fazer uma grande fortuna as custas de uma gorda aposentadoria que Mãezona recebe mensalmente do finado Dr Capitão. O Artênio não está nem um pouco feliz com o “véi” Leopoldo e já percebeu que Martinha não é mais a mocinha ingênua que ele achava ser e é na verdade uma vagabunda intereseira , se conheço bem o meu amigo, não é capaz de fazer nada contra esse povo... Agora vou continuar minha luta em busca do meu futuro glorioso de barão de Bodorocó...

(Nesse momento Sebim sai de cena e entra Kakinha resmungando)

KAKINHA – (falando pra si) Depois que retornei à Bodorocó, as coisas ficarão estranhas , mas foi o melhor que fiz, (Tira um cigarro do bolso) agora vou dar umas tragadas pra acalmar os nervos ...

(Nessa hora Artênio entra em cena e percebe a ação de Kakinha)

ARTÊNIO – Nossa Kakinha, não sabia que você fumava!

KAKINHA – (Joga o cigarro fora) Ah você estava ai?

ARTÊNIO – Sim, por que?

KAKINHA – Nada , deixa pra lá...

ARTÊNIO – Tem certeza? Então tudo bem.

KAKINHA – Sim, (Mudando de assunto) e sua mãe? Fiquei sabendo que ela estava doente...

ARTÊNIO – Estava, mas agora melhorou um pouco, graças Deus!

KAKINHA – Fiquei sabendo que titio não quis pagá-lo.

ARTÊNIO – Infelizmente negou o meu dinheiro, tive que pedir emprestado ao dono do boteco.

KAKINHA – Isso é ruim.

ARTÊNIO – É, e muito ruim, mas acredito que um dia sairei dessa vida de “Zé-ninguém”

KAKINHA – Calma rapaz, você não é nenhum “Zé - ninguém”.

ARTÊNIO – Sairei sim, mas não preciso pisar nas pessoas pra conseguir subir alguns degraus na vida.

KAKINHA – Nossa! Falando assim percebe-se que você não tem uma gota de maldade no coração.

ARTÊNIO -- Não é bem assim, também penso em ter uma vida digna com uma casinha, meus poucos móveis e o suficiente pra me manter, Amar e passar os momentos felizes e difíceis da vida.

KAKINHA – Família. Ah como gostaria de recuperar a minha!

ARTÊNIO – O que aconteceu com a sua? Você não tem a Martinha e o Sr Leopoldo?

KAKINHA – Não é bem essa...

ARTÊNIO – E qual é então?

KAKINHA – (Começa a falar baixinho com um semblante de tristeza) Um pai, uma mãe , um futuro. Entende?

ARTÊNIO – Mais ou menos. Eu queria ter estudado mais , pois o trabalho não deixou . Quem sabe hoje em dia eu não tivesse um a vida um pouquinho mais digna...

KAKINHA – (Risos) Acredito nunca ser tarde pra recuperar o tempo perdido.

ARTÊNIO—Você tem razão, mas que tempo é esse que perdi? Como fazer pra recuperar o que nunca tive?

KAKINHA – Eu tive.

ARTÊNIO – O quê?

KAKINHA – Oportunidade.

ARTÊNIO – De quê?

KAKINHA – De ser alguém.

ARTÊNIO – Mas você é alguém.

KAKINHA – Não é bem assim, as pessoas me olham vêem uma pessoa alegre, descontraída, que não revela ter problemas, mas é tudo aparente. O meu sorriso já não é mais branco, encontra-se amarelado.

ARTÊNIO – Nossa! é mesmo?

KAKINHA – Não sei como lhe dizer, preciso me abrir, pois há algo que já não agüento ficar só pra mim. Uma dor terrível...

ARTÊNIO – (Preocupado) Que dor é essa,de cabeça por acaso?

KAKINHA – Não, não é apenas física é uma dor moral.

ARTÊNIO— Dor moral?

KAKINHA – Preciso desabafar com alguém e tenho certeza que você pode me ouvir e me ajudar...

ARTÊNIO— Sim, claro, mas qual o seu problema?

(De repente Martinha surge em cena)

MARTINHA – É droga. Maconheira, narcótica, foi expulsa da casa de tio Lucicarpo. Pensou que eu iria engolir essa de vim a Bodorocó em busca de ração de cabras?

KAKINHA – Por favor, Martinha fale baixo.

MARTINHA – Não falo. Se for preciso,escancaro a voz pra que todos saibam que tipinho é você.

(No decorrer da discussão vêm chegando Sebim e Lucílio)

ARTÊNIO—Já chega Martinha, respeite a sua prima.

MARTINHA – Não se meta a besta pro meu lado ,roceiro ignorante, o assunto ainda não chegou no chiqueiro e além do mais , é papo de família.

KAKINHA—Deixa que eu resolvo isso Artênio, já sou bem crescidinha pra me defender. O assunto agora é entre mim e ela.

MARTINHA – Muito bem é assim que se fala, liguei pra seu pai e ele disse que não te quer mais na casa dele, pois você não quer nada com a vida,que só sabe se drogar e depois quebrar as coisas em casa. Não havendo outra solução, titio jogou você no olho da rua...

KAKINHA -- Não é bem assim...

MARTINHA – E agora quer vir se esconder aqui. Ah não vai dar certo mesmo, já não basta ter um pai bêbado terei que aturar uma drogada?

KAKINHA- Você não pode falar isso de mim, lembra que somos sangue do mesmo sangue?

MARTINHA – Lá vem você com esse papo furado de sangue outra vez. Somos primas sim ,mas diferentes por demais.

KAKINHA – Me diz então onde estão nossas diferenças?

MARTINHA – Eu sou linda você não é, sou querida por todos ,você nem sonha com isso...

SEBIM --- (Dando gargalhadas irônicas) Querida? Essa é boa , só pode ser querida pelo diabo, e olhe lá..

ARTÊNIO – Ah cara, para de botar mais lenha na fogueira.

MARTINHA –(Falando pra si) Idiotas. Mas além de tudo isso,não sou uma drogada e nem fui jubilada de casa...

SEBIM --- Jubilada? Que “diaxo” deve ser isso?

LUCÍLIO – Ah! Santa ignorância!

KAKINHA— Já falei pra parar com isso.

MARTINHA – Sei que a verdade dói, mas agora estou me vingando de você, por tudo que me faz passar...

KAKINHA – Por favor,Matinha...

MARTINHA – (Falando séria e tristonha) Papai sempre te preferiu, você roubou a atenção que ele tinha por mim.

KAKINHA—Claro, você não o respeitava.

MARTINHA – Não importa, mas você roubou o que era meu de direito. Agora vou casar com um homem rico...

SEBIM --- (Começa a tossir) _ Cof! cof! cof!...Ai “mô” Deus que coisa “non”?

LUCILIO -- (Mostrando-se preocupado) Que foi mendigo? Ficou doente de repente?

MARTINHA –- Mas dessa vez você não vai roubá-lo de mim...e sim ficar pra titia.(Risos)

SEBIM -– Ainda bem , nesse caso é “mió” morrer “virgi”. (Risadas)

ARTÊNIO ---É verdade ( Risadas, para de sorrir e se direciona pra Kakinha) . Não é bem assim, Kakinha quer ser a minha namorada?aceite por favor.

K AKINHA —(Com cara de impressionada, mas sabendo que tudo é um plano) O quê?!

MARTINHA –- (Risadas) Agora é que as coisas ficaram interessantes, além de titia, vai morrer feia e pobre.

KAKINHA – O que importa e sempre importou pra você foram bens materiais, por isso que sempre foi mal amada, ( Olhando pra Artênio e beijando-o) Claro que aceito meu gostoso.Eu gosto é de amar e ser amada , eu sempre amei, sua tola!

SEBIM -- Eita que o negócio ta bom “homi”!

ARTÊNIO – É Martinha , você nunca se quer ligou pra mim, que sempre te amei...

MARTINHA –- (Impressionada) Amou em vão, seu verme fedorento a estrume.

ARTÊNIO – Pois é, todo esse tempo foi o mais perdido de minha vida, não quero mais você, moleca.

SEBIM -- Nossa, “tô” impressionado! Até que fim “né” macho?!(Risadas)

MARTINHA – (Desesperada e humilhada, martinha grita pra toda a rua ouvir) Venham todos saber das novas : “A mocinha Kakinha vai ser noiva do roceiro mais sem noção de Bodorocó”.

(De repente chega Mãezona)

MÃEZONA—(Falando pra Martinha com um ar de ironia) Nossa minha filha, você tem uma prima viciada?! desde que eram crianças nunca fui com a cara dessa aí.(Apontando pra Kakinha)

LUCÍLIO – (Olhando no olho de Martinha) Vamos embora meu amor, deixemos essa viciada aí com esse pobre molambento...

SEBIM – Parece que o vício é o grande mal nessa família!

LUCÍLIO -- É uma pena, ser jogada fora de casa, excluída dos padrões sociais e ter que se conter com a vergonha posta em sua vida, pobre coitada!

MARTINHA – Pois é,agora ela não passa de uma rejeitada, junto com o viciado do meu pai. (Olhando em direção de Kakinha) Volte pra rua (Irônica) priminha, ninguém mais te quer nem eu nem tio Lucicarpo, só esse pastorzinho de bosta.

KAKINHA— Ainda tenho tio Leopoldo.

MARTINHA – Aquele é outro encosto na minha vida ele é que não vai te querer mesmo.

(Todos, menos Artênio e Kakinha que se encontram abraçados sorriem ,com risadas maléficas e de deboche a Kakinha que sente-se humilhada)

LEOPOLDO – (surge na cena quando ninguém menos espera) Aí é que você se engana.

TODOS --- Oh!

LEOPOLDO – Eu sei o que Kakinha está sentindo.Também fui excluído durante muito tempo, quando me viciei destruí minha vida,perdi tudo,me enchi de dívidas até ter que me desfazer das pobres “uvêias” que me davam o pão,as riquezas que conquistei,e principalmente (Olhando pra Martinha) você minha filha.

MARTINHA – (Irônica) Nossa que comovente, o Senhor nunca falou assim comigo papai, mas de qualquer maneira você não pode ficar do lado dela,

LEOPOLDO – Posso sim, foi ela que sempre esteve ao meu lado nos momentos que mais precisei, enquanto você só queria saber de roupas luxuosas, andar com as amiguinhas ricas que moravam na cidade. Agora olha o monstro que você se transformou, precisei tanto do seu apoio. Aproveite pra me perdoar e jogar fora todo esse rancor...

SEBIM – É verdade, quantas dividas! Deve até ao fiel empregado meses e meses.

LEOPOLDO – Não se meta onde não é chamado. Sei que é verdade, mas tem uma explicação pra isso,“tô” falido –sem nenhum tostão furado (Apontando pra Lucilio) - dependendo da chantagem desse “adevogadim” ai - Mas as coisas vão melhorar...

LUCILIO – Opa! tire meu sublime nome dessa cena ridícula.Odeio escândalos...

LEOPOLDO – (Pra Artênio) Um dia vou pagar tudo que te devo rapaz...

ARTÊNIO –(Desconfiado e com um tom irônico) Espero que sim, pois pro senhor, não trabalho nunca mais.

LEOPOLDO – Agora kakinha, venha e me dê um abraço.Vamos lutar juntos contra esse mal que está fazendo “nóis” viver desse jeito.

MARTINHA – (Brava) Papai, isso não se faz. (Pra Lucilio) Vamos meu futuro esposo, aqui já deu o que tinha de dar.

LEOPOLDO – Ei filhinha, venha aqui você também e me dê um abraço. O que fiz foi sofrer, por causa da morte de sua mãe...

TODOS – (Com as mãos pro céu) Que Deus a tenha!

LEOPOLDO –(Olhando nos olhos de Martinha) Ela sabia cuidar de você, trocar suas roupinhas, percebia quando você tava com fome, mas eu nunca entendi essas coisas, fiquei muito chocado com a morte dela, e só sabia trabalhar pra te dar o que comer e tudo que uma menina poderia ter, desesperado comecei a freqüentar o bar e fiquei como estou hoje...(com olhar triste) esse trapo velho.

MARTINHA – Me poupe,velho babão.(sai junto com Lucilio)

SEBIM – Eita que esse velho criou uma cobra o tempo todo...

KAKINHA – Não se preocupe titio, ela voltará atrás e obrigado por não ter me mandado embora.

ARTÊNIO – Também fiquei feliz de ver essa sua atitude Sr Leopoldo, mas o senhor ainda me deve e não vou fingir estar tudo bem. (Pra Kakinha) Então Kakinha quer ser minha namorada de verdade?Se quiser podemos trabalhar juntos e tentar mudar essa história...

KAKINHA – Claro Artênio, a tempos que espero isso de você...

(Todos saem e só Sebim fica em cena)

SEBIM - (Fala pro público com uma cara de comovido) Nossa que emocionante! Eu sou tão fraco pra essas emoções! (Pausa) mas agora (Quebra o semblante triste e abre um sorriso maléfico) é a minha vez de atacar(Risos) .

( As luzes apagam-se, quando os olofotes voltam a clarear Sebim entra em cena com roupas novas e olhando pra um relógio brilhante , mostra-se bem destacante)

Aurora Numbora (Ato 3- Cena 9)

“A farsa não veio a calhar”

SEBIM – (Declamando poeticamente) Bom dia sol, bom dia lua, bom dia paredes, bom dia dona Maria das Cocadas, bom dia Charlene rapariga do cabaré de Maria Padilha... (Olha pro público) Bom dia todas as cores!

ARTÊNIO – (Admirado com o bom humor de Sebim e principalmente com o seu novo visual) Nossa Sebim que bela roupa é essa?

SEBIM – Foi um prêmio de consolação que consegui graças a minha astúcia e inteligência dada por Deus!

ARTÊNIO - Não meta Deus no meios de seus trambiques, isso pode ser fatal.

SEBIM – Trambiques?

ARTÊNIO – É.

SEBIM – E eu sou lá homem de usar “trambicagem”? Uso apenas a inteligência que tenho pra poder me manter em pé.

ARTÊNIO – É entendo... A vida não foi muito favorável pra nós. As dificuldades de todo santo dia, da forma como as barrigas roncavam de fome, nas noites virando as madrugadas me ajudam a entender que suas atitudes são realmente necessárias...

SEBIM – Você ainda tem a sua mãe, e eu que tenho só Deus e mais ninguém?

ARTÊNIO – Pelo visto vejo que estás usando muito bem a sua astúcia, sempre percebo que está usando roupas aparentemente caras, calçados refinados... Parece até que encontrou uma mina de ouro.

SEBIM – Ah deixa disso... não existe mina nenhuma. O que acontece é que estou trabalhando pra uma gente da alta que mora por essas bandas.

ARTÊNIO – Mas por essas bandas só existem trabalhadores do campo e cachaceiros “morimbundos”, o único povo que tem dinheiro por aqui é a Mãezona do Lucílio. E conhecendo bem aquela gente, jamais daria atenção para um pobre, coitado, ralé,desqualificado, ignorante...

SEBIM – (Interrompendo-o) Pô “cumpadre”, maneira ai vai, num é pra tanto!

ARTÊNIO – Desculpa ai, é que me empolguei um pouquinho (Risos)

SEBIM – E ai, já esqueceu a desmiolada da Martinha?

ARTÊNIO – Esquecer ainda não, mas depois de ontem percebi que ela não faz bem o meu tipo.É uma pessoa muito amarga.

SEBIM – Eu bem que te avisei que ela era uma pilantra...

ARTÊNIO – Ah Sebim, também não fala assim da pobrezinha.

SEBIM – E aquela história de namorar a drogada,digo, a Kakinha, é mais algum pretexto pra esquecer a filha do “véi” Leopoldo, ou foi sério mesmo?

ARTÊNIO– E muito sério. Descobri em kakinha uma rosa que nasceu em meio as pedras!

SEBIM – Nossa que o “homi” ta é poético!

ARTÊNIO – Num é “zazon” mas é o amor.

SEBIM – Que negócio de amor é esse, tu ama mesmo é a louca da Martinha...

ARTÊNIO – Por favor Sebim, vamos parar de falar nessa ingrata, deixa ela pra lá... não posso negar que ainda gosto dela mas tenho é que viver a minha vida. A final ,ela vai casar com um advogado.

SEBIM – E daí?

ARTÊNIO – Daí que ele vai dar a ela tudo que precisar, coisa que eu não teria condições de oferecer...

SEBIM – Não acredito muito nisso...

ARTÊNIO – Por que não?

SEBIM – Aquele sujeito é muito suspeito pro meu gosto...

ARTÊNIO – Por falar nele , olha só quem vem ali, ele e a Mãezona, parece que esse tampo nasceu pregado a essa velha chata.

SEBIM – Eu vou lá trocar algumas idéias com ele . (Olhando pra Artênio) “Inté” mais ver...

(Sebim aproxima-se de Lucílio, Artênio sai de cena )

SEBIM – Olá amiguinhos, tudo bem por aqui?

LUCILIO – O que você quer aqui seu imundo? Já veio atrás de propina?

SEBIM – Eu?imagina!

LUCILIO – Pois é o que parece.

MÃEZONA – Pare então de andar por perto da gente, assim vão notar que tem algo estranho por aqui, seu verme.

SEBIM – Não me trate dessa forma,pois sabe que posso fazer algo que vocês não iriam gostar nenhum pouco.

MÃEZONA --- Cale a matraca seu peste ruim.

LUCILIO —É mesmo , ou vai querer que todo mundo saiba que eu num sô advogado coisa nenhuma?

ARTÊNIO – (Surge de repente em cena) Como é que é? Será que eu estou certo de ter ouvido isso?

LUCILIO -- Você não ouviu nada, isso é uma conversa particular...

ARTÊNIO-- Sabia que por trás dessas belas roupas que o Sebim usa e esse tratamento requintado não passava de uma baita de uma farsa.

SEBIM – Calma amiguinho, não é bem isso que você ouviu.

ARTÊNIO --- Ah, mas é sim, afinal não estou louco, eu ouvi toda essa prosa por trás da moitinha quando fui mijar.

MÃEZONA --- (Pra Lucilio) Viu o que você fez seu peste? Agora além de estarmos na mão do mendigo, dependemos agora desse idiota...

SEBIM – Mas não se preocupem, Artênio é um “homi” bom de Brio e não seria capaz de me dedurar...

LUCILIO --- Pois é, ele não seria capaz de fazer nada que fosse desonesto...

SEBIM—É verdade, mesmo que o Artênio visse a coisa mais errada do mundo ele não falaria pra ninguém, não é Artênio?

ARTÊNIO --- Aí é que você se engana meu caro Sebim... Já fui passado pra trás inumeras vezes, agora são todos vocês que estão na minha mão.(Risos)

SEBIM – Mas Artênio, o que é que você ta dizendo com isso? Você nunca foi de fazer coisa errada...

ARTÊNIO --- Pois é, nunca fui, mas já chega de ser tão bonzinho, agora terei como comprar os remédios pra minha pobre mãe... (Risadas)

MÃEZONA - Isso não pode ser. Esse pilantra esteve esse tempo todo se fingindo de bom samaritano.

LUCILIO --- O que temos que fazer pra você ficar de boca fechada “heim” seu peste?

ARTÊNIO --- Nada, porque também quero o seu dinheiro, e que paguem o dobro que pagam ao Sebim...

SEBIM – Nessa vida não se pode confiar em ninguém, mesmo o que aparenta ser mais santo pode se corromper quando ver que o dinheiro aparece...

MÃEZONA – Pois é, estamos perdidos, agora que vamos à falência. Me diga só seu pastorzinho do mal, quanto você quer pra ficar calado?

(Pausa e ficam todos em silêncio por alguns segundos)
ARTÊNIO – Nada.

SEBIM – como é que é?

ARTÊNIO --- Não quero um tostão de vocês, isso é injusto, dinheiro sujo... e não sou nenhum panaca que se corrompe com tão pouco... pois é Sebim, isso me envergonha sabia? E você Lucílio, não tem vergonha de dar tamanho desgosto à sua pobre mãe que só vive de uma mísera aposentadoria (nem tão mísera assim) mas é d’ela,eu bem que queria uma mãe que me desse o apoio e a oportunidade que você teve, prefiro trabalhar, pegar no pesado pra conseguir curar minha pobre mãe que não teve como me dar dinheiro, boas escolas e até esse tal de plano de saúde que você tem... O que ela sozinha me ensinou, foi a ser humilde e correto, andar sempre no caminho do bem, vocês falam que tem tudo, mas não passam de pessoas vazias. Quer saber de uma coisa, podem ficar com essa vida triste, sempre escondendo-se, eu vou é procurar liberdade, se me dão licença tenho que sair d’aqui.

(sai)

SEBIM – Nossa que panaca, ele deveria ter tirado proveito de vocês, o que seria muito pouco...

MÃEZONA--- Ufa! Ainda bem que ele é uma desses que pregam a honestidade, queria ser assim, mas não fui dotada de tamanha idiotice...

LUCILIO --- Pelo menos ele não vai soltar a matraca pra ninguém...

KAKINHA --- (Surge do outro lado da cena) Mas nem tudo está perdido, eu também sei do segredinho de vocês! Pois é, eu sabia que havia algo errado nessa história, e realmente estava certa...

SEBIM – Até você Kakinha? Mas você não vai se corromper também não é?

KAKINHA --- É o que você pensa meu caro Sebim... ou você nunca ouviu falar que o mundo é dos mais espertos?

MÃEZONA ---Ai meu Deus desse jeito não posso mais agüentar... (Desmaia)

LUCILIO --- Mami!

SEBIM – Valha mi Deus, a velha teve um treco!


(Todos saem de cena)

Aurora Numbora (Ato 3- Cena 10)

“O Final Sempre Desfecha”
(Dãããããã)

SEBIM – Pois é isso ai que aconteceu, não me tornei barão... Martinha se casou com Lucílio...

MARTINHA --- Meu amor por favor me dá um celular, um vestido de 500 reais,um salto de 600,uma TV de plasma, quero grana pra ir ao cabeleireiro e quero ir pro forró do Dagô com a roupa mais elegante e cara que tem aqui nessa cidadezinha ralé.

SEBIM – Claro que boa mentira tem perna curta...

LUCILIO --- Quer saber sua mocréia, eu não gosto de mulher, tu é chata pra caramba! me casei contigo pra fazer os gostos de mamãe e pra provar que nenhum tal de Sebim seria capaz de me desafiar...

MARTINHA – Azar o seu, se gostar ou não gostar não faz diferença, eu não gosto de você mesmo, sempre soube que sua praia era o Tonhão , e só casei contigo porque é rico e não queria passar a vida toda sendo sustentada com o amor de um pobre roceiro...(Fica como estátua)

SEBIM – É claro que ela não esperava ouvir da boca do Lucilio, que ele era uma bixa pobre...(risos)

MARTINHA --- Nãããããããããããõ!

SEBIM – Claro que o jeito foi ficar sozinha e procurar Artênio pra trocar figurinhas, porque através da chantagem que kakinha deu em Mãezona , a mãe de Artênio se curou com o dinheiro da propina, e Artênio nunca ficou sabendo que Kakinha também sabia da farsa do Lucílio... O velho Leopoldo perdeu suas ovelhas e agora recebe em dia sua pobre aposentadoria, e claro que se juntou com Mãezona e parou de beber...

LEOPOLDO --- (Cantando) Garçom, aqui nessa mesa de baaaaaaaaaaaaaar! (Desmaia bêbado)

SEBIM – Pelo menos até onde sei... (Risos)

(Entra Artênio abraçado com Kakinha, e é abordado por Martinha toda maltrapilha)

MARTINHA – Por favor Artênio , precisamos conversar...

ARTÊNIO — Nossa , eu não acredito que ela pronunciou meu nome! Ta doente é?

KAKINHA - Azar o d’ela vamos embora d’aqui, que eu sou uma ex-drogada e posso contagiá-la.

ARTÊNIO — Não Kakinha, deixa eu trocar algumas idéias com ela...

MARTINHA - Que bom que você me deu essa chance.

ARTÊNIO — Pois fale logo, que tenho o resto do domingo pra curtir minha folga com minha noiva e futura esposa .

MARTINHA - Você ainda vai continuar nessa farsa? Você não ama a minha prima, eu sou o grande amor de sua vida, você vivia dizendo isso pra todo mundo...

ARTÊNIO — Pois é , agora você tem razão, eu ainda à amo, mas tu só quer saber dos bens que comprei com o suor do meu trabalho... e esquece que sou uma criatura que também tem sentimento. Tudo que você queria era casar com um cara rico, pois bem , você conseguiu.

MARTINHA - Você não pode fazer isso comigo, eu te amo Artênio.

ARTÊNIO — Posso sim, sei que você sempre me quis e que me ignorava por eu ser um pobre pastor de ovelhas, hoje por me ver um pouco bem financeiramente, viu a burrada que fez em não confiar em mim.

MARTINHA --- Não é isso, me perdoe, ainda há tempo pra sermos felizes.

ARTÊNIO — Esse tempo já acabou faz exatamente dois anos, tempo em que você ficou casada com um charlatão e que estava simplesmente nas mãos de Sebim, durante esse tempo trabalhei, estudei e agora sou respeitado, tenho a força do trabalho e nunca precisei usar os outros como escudo.

MARTINHA -- Me da uma chance pra eu provar que mudei.

ARTÊNIO — Não, você plantou o erro agora colha seus frutos.

MARTINHA– (Chorando) Por favor não faça isso comigo, você não ama minha prima, por favor!

ARTÊNIO — você tem razão , e como você mesma falou “nunca é tarde pra ser feliz”.
Espero que encontre alguém que te complete. Passar bem.(sai de cena com Kakinha)


(Martinha fica a se lamentar e cai no choro profundo)

SEBIM – Pois é Martinha, olhe só o que você conseguiu com tanta ambição, Nada!
Vai ficar pra titia, ao contrário de sua prima Kakinha.

(Pausa em cena, Martinha olha bem nos olhos de Sebim, e o observa dos pés à cabeça e de repente fala)

MARTINHA --- Ficar pra titia... é o que você pensa.

(Avança pra cima de Sebim e tasca um beijo suculento).


*(Caem as cortinas)


NARRADOR --- Moral da história: uma andorinha só não faz verão.