quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O ILUMINADO, QUEM É JACK? por Vinicius Siqueira

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O Iluminado é um filme de 1980, dirigido por Stanley Kubrick, baseado no livro homônimo de Stephen King, onde Jack Tourette (Jack Nicholson) é contratado para trabalhar como zelador em um hotel no período de inverno, levando consigo sua esposa Wendy e seu filho Daniel. O ponto estranho que move o filme é o fato de, no passado, ter acontecido um estranho assassinato, onde o zelador da época [Delbert Grady] matou suas duas filhas e sua esposa, deixando-as em pedaços e, logo após, suicidou-se. Este é o acontecimento que o próprio contratante revela com certas ressalvas à aceitação do trabalho por Jack, que, por sua vez, não expressa nenhum horror ao caso.

O que me tomou a atenção neste longa foi o aspecto histórico e social do personagem principal e sua relação com o filme. Basicamente, Jack é o mesmo zelador do último assassinato, assim como é o mesmo desde sempre. Ele é o mesmo sujeito, de época em época, sempre o mesmo sujeito, com a mesma função social. É tido como a reencarnação eterna de um determinado espírito que faz seu objetivo, a educação rigorosa dos filhos e da mulher, até chegar num ponto onde educação e autoritarismo se mostram nus e abraçados.

O ataque repentino do zelador assassino é dado pelo filme como síndrome da cabana, onde, pelo isolamento do mundo externo e falta de atividade no “mundo interno”, no espaço onde se está confinado, o indivíduo sofre ataques de paranoia, irritabilidade, sonos longos, cansaço irritação, assim como frustração com acontecimento cotidianos e ataques de riso. Essa explicação é perfeita tendo como material de análise o caso isolado, entretanto, temos em mãos dois casos idênticos, inclusive na forma de se cometer o ato. Em uma de suas alucinações (ou conversas com o além), Jack se comunica com o antigo zelador, o assassino, que, primeiro revela que ele, Jack, sempre foi o zelador, ou seja, que ele, Delbert Grady, assassino suicida é, na verdade, Jack.

Há um ponto que me deixa vidrado nessa relação: o fato de Jack ser Grady e Grady ser Jack não indica que há um mesmo espírito (no sentido religioso) ressurgindo com o passar do tempo, mas sim, que a conversa de Jack está sendo com ele mesmo. Ele estava alucinado, simplesmente. No entanto, essa alucinação abriu portas para a leitura do filme – não apenas Grady se revela Jack, como revela, também, o que aconteceu quando assassinou sua esposa e filhas... Da mesma forma que Jack, seu objetivo foi “corrigi-las”, e como sua esposa ficou entre a educação pretendida e as crianças, precisou corrigi-la junto. Ele a matou por ficar em seu caminho.

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Partindo do pressuposto que não há reencarnação, há duas maneiras, creio eu, de ler este filme. A primeira é aquela onde a realidade proposta pelo filme seria a realidade de Jack, a forma de Jack contar a história, afinal, as conversas mais produtivas acontecem entre Jack e suas alucinações, é ali que percebemos que ele é alcoólatra, que parou de beber, mas voltou pela pressão de estar no hotel sem conseguir escrever seu novo projeto de livro, etc e etc. Logo, a presença de um Jack atemporal não seria nada além do próprio Jack justificando os atos que deseja ardentemente cometer: livrar seu caminho dos pesos que são sua esposa e filho. Jack não tem emprego fixo, precisa escrever o livro para conseguir alguma estabilidade e aceitou a posição de zelador pelo tempo livre que teria, isolado, para escrever e se concentrar e escrever e se concentrar – entretanto sua concentração terminou em paranoia.

Entretanto, temos, no fim do filme, o foco em uma foto onde o mesmo Jack, mais jovem aparece em uma confraternização no hotel. É o mesmo rosto, porém, mais jovem. Essa evidência impessoal, me faz descartar o exposto acima, mas levar a outro parâmetro: a conversa de Jack com Grady simboliza a situação idêntica de Grady e Jack, inclusive na forma de matar sua família. Notem, Jack também tenta “cortar em pedacinhos” sua esposa e seu filho.

Eu creio que essa ligação pessoal e impessoal é a demonstração de uma determinação histórico-social do sujeito. Basicamente, Jack não tentou matá-las pela Síndrome em si, mas sim, por aquilo que causou a própria síndrome, a situação e suas correlações. Estar sem emprego fixo não é só uma desculpa para matar sua família, que seria o desejo real, mas é uma justificativa para perder a responsabilidade de alimentar o outro, perder a responsabilidade pelo outro dentro, pois o próprio outro é coerção para tal ato. A presença do outro traduz o fato social, pois ele é a imperiosidade de uma sociedade inteira.

A foto no fim do filme é uma representação simbólica da própria mudança que acontece com o sujeito normal – ele envelhece, mas as estruturas das relações que o envolvem na sociedade continuam as mesmas, inclusive após gerações. De fato, várias mudanças drásticas ocorreram durante a história, mas o que dizer sobre a mudança como subversão, ao invés de um suposto progresso (que só é progresso se se traduz como empurrão na própria ordem vigente) conservador?

Eu creio que a mensagem do filme é: não importa quem você seja, não é livre das amarras da história, apesar de poder modificá-las. A morte de Jack não é uma mudança na história, é um ato no mesmo plano simbólico, não o modificou, somente a não-necessidade de um Jack que tornaria a história, uma história diferente.

viniciussiqueira
Artigo da autoria de Vinicius Siqueira.
Fascista desde criancinha .
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