Os mistérios da
rabeca
Personagens
Lampião
São
Pedro
São
José
São
Jorge
Senhora
Imaculada
Músico
Cego
Narrador
Mistico
Maria
Bonita
Jararaca
Capetinha
Padre
Cicero
Cena
1- introdução.
(A peça é uma mistura de crenças religiosas e do
imaginário popular.) Inicia-se com o canto de chegada.
MÚSICO
CEGO – Estão chegando, mas vejam só,
estão trazendo às “força maior”.
(Logo a cena passa a ser composta por
cangaceiros lutando com os soldados da volante. Durante o combate um personagem
denominado de místico fala sobre a força contida na persona de Lampião.)
MISTICO
–
Avé luz
incandescente.
Que
alumia a escuridão repentina e rotineira dos homens.
Seu
brilho encandeia as retinas fatigadas do sertanejo esperançoso.
Que
vinga e resiste ao sofrimento seco da caatinga nossa de cada dia.
Lampião,
sinônimo de luz, de sol de clarão.
De fogo.
Fogo de
justiça incendiada no sertão do sofrimento.
Da fome
litúrgica dos poetas que aliviam suas dores pelas palavras brandas e
cautelosas.
(grita)
Lampião!
(Cena da morte do bando de Lampião)
MISTICO
–
Todos
mortos.
Mortos
covardemente pelas costas.
O bando
de guerreiros bandidos heroicos.
De
caboclos nordestinados cheios de devaneios complexos
Sentem a dor da queda.
Estacionam
seus pensamentos em meio ao descanso
eterno e incerto
Que só e
real pelo laço incessante e preciso da
fé.
Acordai...
Acordai... (grita) Acordai.
(Abre-se uma cena de alegria, na qual
representa a ressurreição dos cangaceiros ao som da música Berro Estradeiro,
nesta cena entram diversos personagens místicos. A canção é dublada por um
personagem cego com um acordeom).
“A
Chegada de Lampião ao Céu”
Texto
Original : Paulo Varela
Adaptação:
Fábio Fernandes
NARRADOR- Hoje todo mundo fala, Lampião morreu de bala
lá pás banda de Angicos.
E de morte ninguém se salva. Morre o preto,
morre a alva, morre o pobre, morre o rico.
Mas
foi homem de coragem e com sua cabruagem lá no céu ele chegou.
E lá chegou sem ter medo e mandou chamar São
Pedro quando a porta se fechou.
NARRADOR
– Na porta desceu o braço e deu uns três tiros pro chão.
LAMPIÃO
– Eita que hoje eu tô “cagota”, que
tô com a molesta. Aqui até parece o lar celestial.
Ah que
hoje eu tô tinindo, que hoje eu tô querendo aqui botar moral.
CAPETINHA
– Ô cabra macho, ô cabra macho!
JARARACA
– (desconfiado com o Capetinha) Arri égua macho, que eu num gostei desse cabra
esquisito.
MARIA
BONITA – Larga de frescura Jararaca, de tudo você desconfia, tá igual a
Virgulino, oxe!
LAMPIÃO
– E tem mesmo que ser assim, desconfiar até da roupa que veste.
MARIA
BONITA – Ai ai ai Virgulino, eu não sei você, mas eu tô querendo mesmo é saber
onde é que a gente está.
LAMPIÃO
– E eu lá vou saber santinha, ainda pouco a gente estava em Angicos e de
repente aparece esse lugar.
CAPETINHA - Ô cabra burro! Ô cabra burro!
JARARACA
– Como é que é cabra, tu chamou alguém de burro?
MARIA
BONITA – Ah Jararaca para de implicar com esse pobre coitado, ele é tão
fofinho!
JARARACA
– Não é implicância, santinha. Só num gostei da cara desse cabra. Olhe bem pra
ele, é uma mistura de bode, homem e capetinha.
LAMPIÂO
– Pois é, esse sujeito é mesmo muito
estranho! Nem parece ser humano. (pergunta ao capetinha) E ai seu cabra, o que
você tem a dizer ?
CAPETINHA-
Ô cabra macho! Ô cabra macho!
JARARACA
– Tão vendo só? Ele só sabe dizer isso... tô muito desconfiado desse
sujeitinho.
MARIA
BONITA – Mas afinal Virgulino, onde é que nós estamos?
LAMPIÃO
– Onde, eu ainda não sei, mas é o que eu vou agora mesmo descobrir.
NARRADOR - São Roque, coitado tava encostado
ficou da cor de um finado quando avistou Lampião.
(Entra são Roque e vê lampião, o reconhece e
sai correndo com muito medo, de repente São José aparece pra saber quem está do
lado de fora)
SÂO
JOSÉ – Mas que tanta gritaria é essa na porta do céu? E Você cadê o seu crachá de identificação?
LAMPIÃO
– Como é que é cabra? Você tem noção com quem é que tu ta falando?
SÂO
JOSÉ- Sim: Com um cabeludo zanôi, todo queimado de sol e metido a valente...
LAMPIÃO – E que se chama Lampião...
SÂO
JOSÉ- Isso mesmo, que se chama lampião.
(De repente se assusta ao reconhecer Virgulino)... Lampião? (Demonstrando medo)
Como assim Lampião? Ai meu deus do céu é lampião e os cangaceiros do sertão
valei-me nosso senhor, eita que que hoje no céu tem briga! Mas o que é que vocês querem afinal?
MARIA
BONITA – Primeiro, saber onde estamos?
SÂO
JOSÉ- Ué, e vocês não sabem onde estão?
JARARACA
– Claro que não, se a gente soubesse não estaria perguntando...
CAPETINHA
– Esse também é macho, Esse também é macho!
LAMPIÃO – Vamos lá cabra, desembuche.
SÂO
JOSÉ- A gente está no céu.
LAMPIÃO – Como assim cabra, ta achando que nós
é besta é?
SÂO
JOSÉ- Não, é que no começo é assim mesmo... Todos acham estranho... Vocês todos
morreram e agora estão vagando na porta do céu.
MARIA
BONITA - Ai meu deus, por tudo que é
mais sagrado! Eu morri... Agora sim eu posso dizer "Tô morta".
JARARACA
– E agora capitão o que é que vamos fazer?
LAMPIÃO
– Se não tem outro jeito, só nos resta aceitar a morte e entrar no céu.
(São José tranca a porta e deixa os
cangaceiros fora)
JARARACA
– Olha capitão, o sujeito trancou a porta e parece que não quer deixar a gente
entrar.
LAMPIÃO
– Se avexe cabra, abra a porta do céu.
SÃO
JOSÉ – Não podem entrar, tenho que a São Pedro avisar.
LAMPIÃO
– Pois diga a São Pedro pra essa porta escancará. Porque hoje tô vendo que a
cobra vai fumá.
CAPETINHA
– Ô cabra macho! Ô cabra macho!
NARRADOR
-São Pedro tava ocupado lá numa nuvem sentado assistindo uma novela.E a
confusão lá fora quis saber naquela hora que confusão era aquela.
São Jorge passou num embalo em riba de seu
cavalo que quase caiu no chão.
Ia tremendo de medo, num disse nada a São
Pedro e se esqueceu do dragão.
(São Jorge passa em cima de um cavalinho de
pau, cai no chão, e abre a porta do céu se tremendo de medo.)
São
José na correria abandona a serraria e correu pra pedro avisar
SÃO
JOSÉ – Pedro, Pedro... Lampião mandou dizer que é pro senhor o atender que a
porta vai derrubar.
NARRADOR - E são Pedro foi
falando:
SÂO
PEDRO – Ele que fique esperando, eu num abro nem a pau. Bote na porta a tramela
eu só vô depois da novela e do Jornal nacional.
Diga
que eu num abro não, que espere Lampião que aqui a coisa é correta, ele que
espere aí que ainda vou assistir esse tal de “Linha Direta”.
Diga a
esse cabra da peste que ele mandou no Nordeste e é o rei do cangaço, mas aqui é
outro mundo, hoje ensino um vagabundo aqui no céu como faço.
NARRADOR
– Já tinha uns anjos chorando, uns santos descabelando tudo de “briba” na mão
São Pedro disse:
SÃO
PEDRO – Num saia, que hoje eu apronto uma tocaia e hoje pego Lampião. Quem ele
pensa que é, eu vô tomar um café, que ele fique esperando lá, deve tá é “chei”
de cana, aqui num é casa de mãe Joana pra todo bandido entrar.
Escore
na porta a trave, sou eu que mando na chave, mande os santos se arrumar, que
hoje no céu tem guerra e esse “fí” duma égua hoje eu boto pra lascar.
SÃO
JOSÉ – (interropendo) Acho que está na hora da chegada da imaculada.
Entra em cena a Senhora Imaculada.
Depois da entrada a imaculada pergunta:
SENHORA
IMACULADA – Mas afinal Pedro, o que é que está acontecendo aqui?
SÂO
PEDRO – A senhora acredita que Lampião e seus capangas estão querendo entrar no
céu?
SENHORA
IMACULADA – E o que é que tem, o céu é
para todos.
SÂO
PEDRO – Até pra um cabra ruim do tipo de Lampião.
SENHORA
IMACULADA – Sim Pedro, todos nós erramos
nessa vida, e pra isso merecemos o perdão.
SÂO
JORGE – A senhora acredita que o safado queria atrapalhar sua procissão?
SÃO
JOSÉ – E disse mais, que iria derrubar a porta do céu, e ainda bateu em mim...
SENHORA
IMACULADA – Mais isso não está correto,
vá lá fora e digam que estou chamando aqui agora.
SÂO
JOSÈ – Eu vou agora chamar Lampião... (Com medo, retorna e empurra São Pedro) –
Vai tu pedro, ja que tens a chave do céu.
SÃO
PEDRO – Pois é, eu tenho é a chave, não é uma metralhadora.
( São
Pedro empurra São Jorge) – Vai tu São Jorge já que tens uma espada.
SÂO
JORGE – Eu vou lá então... Ai pessoal eu confesso, tô morrendo de medo.
SENHORA
IMACULADA – Ai ai ai, ja vi que vocês são todos medrosos. Agora tenho que ir,
vocês que se resolvam com Virgulino, ainda tenho que abençoar muitos romeiros
pelo mundo a fora...
(SAI)
LAMPIÃO
- Ai ai ai, que eu não aguento tanta espera. Já tô começando a achar que to
sendo passado pra trás.
MARIA
BONITA – Pois e virgulino, também tô começando a desconfiar dessa demora, sera que estamos
incomodando alguém e os santos não querem nos deixar entrar ?
LAMPIÃO
– Eu não sei santinha, mas ja tô começando a ficar de ôio virado.
JARARACA
– Ah, deixa comigo meu capitão. (grita) Oh cambada de santo do ceu, façam o
favor de abrir o portão desse beleleu.
MARIA
BONITA – Pelo visto nós vamos ter que esperar mais um pouco.
LAMPIÃO
– Ei cambada olha ali, vem vindo uns anjos
logo ali, vamos nos esconder pra ver se a gente descobre qual e o plano
dos santos celestiais.
JARARACA
– Boa, capitão!
MARIA
BONITA – Ah Virgulino, você sempre pensando em tudo! Sua esperteza me torna a
mulher mais feliz da terra.
CAPETINHA
– Da terra INT. Nunca se iluda, nunca se iluda. (gargalhada)
NARRADOR
– De repente os anjos entram pelo portão do céu. E todos parecem muito
apressados. Parece que a agitação chegou pelas bandas do céu, pois nem parece
dia de finados.
( Na
cena, entram alguns anjos e os santos os
ordenam trazer armamentos pra enfrentar Lampião e seu bando)
SÂO
PEDRO - João vá no quartinho e chame santo Agostinho pra gente montar um plano,
que é pra pegar um safado que seu povo vem armado e traga Domingos e Adriano.
SÂO JOSÉ - Diga a São Dirceu que quem mandou
fui eu, que ele largue o clarinete e convide são Balbino e que ele traga
os meninos tudo armado de cacete.
SÂO
PEDRO - Pois eu daqui por diante vou montar minha volante pra saber quem manda
aqui, e diga a são Nicolau pra trazer cem lasca de pau para o povo de Davi.
SÃO
JORGE – Pois o bicho vai pegar, e hoje vou descontar nos coro de Lampião e
junto com santo Antero vingar as flechadas que deram no Santo Sebastião.
SÃO
PEDRO – Hoje a tropa dele é fraca, pode vir a jararaca e os cabras que ele tem,
que hoje ele cai no pau que esse meu pessoal é bom de briga também.
SÂO
JOSÉ – Chame são Salatiel e avise a são Gabriel pra ele dar o recado, que
Lampião hoje se enrasca, que hoje junto nós lasca aquele cabra safado.
SÂO
JORGE – Diga que são Bento venha, traga umas lascas de lenha e aquele rifle
emprestado, Vá la no Rio de Janeiro e traga de lá Ligeiro todo revolver
comprado.
SÂO
PEDRO – Que traga as "arma tudinha", dê um passei na Rocinha e traga
os "Fuzil" de lá, no céu vai ter sururu, mas passe lá em Bangú e
avise a Beira Mar.
SÂO
JOSÉ – Peça pra ele arrumar com a policia de lá umas balas de canhão, traga
revolver e uns cacete, uns capuz e uns coletes, uns estilete uns facão...
SÂO
JORGE –Nessa descida pra terra dos presos tu trais a serras deles serrar as
prisão. E pra nós nos armar mais pago mais de cem reais por arma da população.
SÃO
PEDRO – E se Dinheiro faltar vá nos políticos de lá e levem uma intimação, Diga
que eu mandei buscar que é pra dinheiro pegar desse bando de ladrão.
NARRADOR
– E quando os anjos chegaram , Todos os santos se armaram uns com facas outros
com fuzil. E os santos foram se armando e ainda ficou sobrando arma que vêi do
Brasil. Nisso São Pedro Gritou:
SÃO
PEDRO – Lampião ai eu vou, se apronte cabra safado. Pois tu vai pro beleléu,
nessa viagem pro céu você pegou o bonde errado.
NARRADOR
– Os santos tudo armado, abriram a porta do lado e percuraram lampião. Que
fugiram de lá ligeiro, do céu queimou foi o chão. Correram tudo descendo, la
pro inferno lá correndo de longe se via o pó. É só a coisa arrochar pra lampião
desabar como fez em Mossoró.
SÃO
PEDRO – Parece que aquele cabra safado e seu bando desistiu de entrar no céu.
SÂO
JOSÉ – Também, com esse armamento, quem
não fica com medo ?
SÂO
JORGE – Pois e, ate os anjos estão armados.
SÃO
PEDRO – O pior e que eles nem imaginam que depois da morte não se pode mais
morrer, e que as armas não servem mais.
SÂO
JOSÉ – O que vocês acham de pregarmos uma peça nele ?
SÂO
JORGE – Como assim ?
SÂO
JOSÉ – Fácil. A gente chama eles ate aqui e começa um duelo. Eles vão atirar na
gente e pensar que nos mataram, só quando eles estiverem contando vitória a
gente vai e acorda
SÃO
PEDRO – Ah Jose se eu soubesse que você era assim tão inteligente, eu ja tinha
feito isso a mais tempo. Vou adorar ver
a cara de tacho daquele cangaceiro safado. E então pessoal chamem ja
aquele bando de cangaceiro.
SÃO
JORGE – Mas que pretexto vamos dizer pra Lampião ?
SÃO
PEDRO – Avisem a eles que Padre Cicero esta o aguardando.
NARRADOR – Sabendo da chegada do tal padre
Cícero, Virgulino e seu bando entram no céu e esperam pra ver o santo padre
romeiro.
LAMPIÃO
– Cadê meu padrinho ? Cadê ?
JARARACA
– Capitão, parece que a gente foi feito de besta mais uma vez.
MARIA
BONITA – Ah, mas agora quem vai acertar as contas com esses santos aqui vai ser
eu. (Gritando) Apareçam cambada de santo, hoje eu mostro que sou uma
(Canta)
: MULHER
NOVA, BUNITA E CARINHOSA, FAZ O HOMEM GEMER SEM SENTIR DOR. (2x).
NARRADOR
- Os santos todos riem e aparecem armados, nessa cena começa o confronto final.
SÃO
PEDRO - E ai cangaceiro do sertão, quero ver se tu é bom de briga aqui no céu
também!
LAMPIÃO
- Já que é assim, prepare seus coros!
NARRADOR
- Depois de muito lutar, Lampião e os cangaceiros descobriram que suas armas no
céu não tinham serventia e o jeito foi todos se unirem. Mas a imaculada Logo
entra em cena.
SENHORA
IMACULADA - Virgulino, meu filho, aqui seja bem vindo. O céu te recebe de
braços abertos e tem alguém que muito quer te ver, pode vir aqui Cicero.
PADRE
CICERO - Virgulino meu filho.
LAMPIÃO
- Sua benção meu padrinho.
PADRE
CICERO - Nada de ruim vai te acontecer meu filho, o céu é um lugar de perdão,
amor, reencontro e reconciliação. Deixe a mágoa de lado e viva eternamente no
perdão e com amor no seu coração.
(Abraçam-se)
MISTICO
- Isso é apenas um dos inúmeros finais.
A luz
incandescente pra sempre irá brilhar.
E nós,
o que temos feito?
Será
que nosso brilho pra sempre irá reluzir?
A
chama...
A
chama da vida que paira.
Reflete
nas muitas e muitas vidas...
Secas.
Porém
cheias de sonhos e esperança...
Esperança
de águas puras e cristalinas.
E a
vida ?
Ah
essa já é um grande mistério!
FIM
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