Um brinde...
Gostaria de propor um brinde a nós, artistas.
Um brinde à nossa eterna generosidade,
Somos generosos porque aceitamos, de bom grado, trabalhar, quase como escravos, por preços irrisórios. E nossa generosidade é tanta que, além de aceitar trabalhar por preços irrisórios ainda aceitamos receber fiado, ou seja, o artista é tão generoso que aceita trabalhar e receber até um ano depois.
Também somos modestos! Por que somos? Porque o artista, principalmente, o artista local acostuma-se com a ideia de que não é “grande coisa”, estendendo sempre um tapete vermelho ao artista nacional, aceitando inclusive receber infinitamente menos que ele, e claro, recebe mil reais fiado, enquanto o artista nacional só trabalha se receber 200 mil antecipadamente.
Também somos compreensivos, compreendemos o tempo inteiro que se o Governo não investe em Saúde, nem em Educação, investirá muito menos na Cultura. O artista é tão compreensivo que se acostuma a pensar que não tem grande relevância por não ser celebridade, aceita ser sempre colocado em último lugar em tudo.
Um brinde, por sermos tão pacientes, tão conformistas, por achar que vida de artista é isso mesmo, e um brinde ao pensamento imbecil diz que para ser artista é preciso sofrer. O brinde a extraordinária inteligência do artista que é conivente com este tipo pensamento, que em virtude de uma ideologia “fajuta” se submete a todo tipo de humilhação e limitações, principalmente de ordem financeira.
Um brinde ao nosso comportamento pacífico, que em vez de brigarmos por políticas públicas de cultura, nos contentamos em participar do Auto de Natal, achando que o “Auto de Natal” é o décimo terceiro da classe artística.
Um brinde a nossa consciência! Passamos o ano inteiro reclamando do Governo do Estado e da Prefeitura. Porém basta que a prefeita esteja presente, que muitos nós iremos abraçar, apertar a mão, e tirar foto, em vez de expor nossos problemas.
Um brinde aos grandes diretores, aos grandes artistas, que apenas conseguem se consagrar no âmbito municipal e estadual, graças a amizade com o políticos.
Um brinde aos artistas adolescentes que se dizem “politicamente engajados” e nas eleições votam em Rosalba Ciarlini e em José Agripino.
Um brinde à ingênua esperança do artista que vai a São Paulo achando que terá mais chances e viverá mais dignamente, vive reclamando das políticas locais para a cultura aqui, e quando chega em São Paulo vai reclamar da política lá, e enquanto nós aqui em Natal passamos a consagrar o artista que parou de se humilhar aqui para se humilhar em São Paulo.
Um brinde a diretores e coreográfos que vivem de nariz em pé por passarem a vida organizando quadrilhas juninas, blocos de carnaval, e vão para a TV dizer que a prefeita está de “parabéns” por promover uma festa popular, quando não está fazendo mais do sua obrigação.
Também devemos brindar a nossa humildade. O artista é tão humilde que se recusa a exigir o mínimo de respeito para não ser interpretado como “estrela”, ou “arrogante”.
Um brinde também para esse protesto clichê, de reclamar da vida dura de artista, ou falar mal do governo, típico de quem não tem o que fazer e de quem não tem assunto melhor.
Enfim, para encerrar, devo esclarecer que esse brinde é a cara do artista. Por que? Primeiro, porque ele não será feito com taças, será com copos descartáveis. Pois é exatamente isso que somos aos olhos de muita gente, descartáveis. A bebida não será champagne, será cachaça! Porque é essa bebida quente a amarga, que desce rasgando, que merecemos tomar! Porque é isso que passivamente nos enfiam guela abaixo para tolerar as atrocidades.
Brindemos!
Yuri Magalhães
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