domingo, 5 de fevereiro de 2012

Deífilo Gurgel



Escreve o teu poema

como se fosses morrer amanhã.

E não te esqueças de nada:

as caixas de fósforos vazias

perdidas nas calçadas;

os pacotes largados nos ônibus;

os meninos que jogam futebol,

nos últimos subúrbios;

o pássaro que pousou no fio telegráfico

cantou sua canção e foi embora;

o homem que pediu dinheiro para o café,

que tinha chegado de uma cidade longe

e estava desempregado;

as noites em que andaste sozinho

pelas ruas;

a grama que pisastes, despreocupado

e que, no entanto, afastava as pedras da rua,

para poder nascer;

a bailarina que o teu amigo desenhou

e guardas, com o maior carinho;

a névoa de longínquas madrugadas;

a visão de crepúsculos em chamas.

Tudo o que viste e amaste pelo mundo,

as coisas mais sublimes,

a mais humilde das criaturas,

deixa que pousem e palpitem nos teus versos,

porque, amanhã, amigo,

poderá ser o último dia

e tu não partirás inútil.


Deífilo Gurgel
, (agora eterno).

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