Por NELSON DE SÁ DE SÃO PAULO
A Europa era exceção, até poucos anos atrás. Mas também por lá o crítico
inglês Michael Billington lamentou que esteja chegando o "hábito sujo
americano" de aplaudir de pé no final da peça. Qualquer peça.
O crítico americano Ben Brantley concorda e até lançou um apelo público,
no "New York Times", "pela volta do aplauso sentado". Aplaudir de pé,
afirma, "virou um gesto social automático", sem sentido.
No Brasil, o diretor Antunes Filho e a atriz Nydia Lícia, com carreiras
iniciadas há mais de meio século no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia),
atestam que "essa mania de levantar sempre", como ela descreve, é
recente.
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
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Antunes arrisca que o hábito se disseminou a partir dos anos 90. "Antes
era mais seco", diz. "Agora é um touro bravo, vai que vai. Agora é
absolutamente nada."
"Antes era um gesto estrondoso para o ator", relata Nydia, citando,
entre os raros aplausos de pé no TBC, "Seis Personagens em Busca de um
Autor" (1951), com Sergio Cardoso, Cacilda Becker, Paulo Autran e Cleyde
Yáconis.
"Era excepcional", diz. "Agora levantam, assobiam, gritam e fica por
isso mesmo. Você não tem mais medida, não sabe até que ponto agradou. O
ator fica mimado."
Com a presença crescente de celebridades do cinema e da TV no palco,
tanto aqui como no exterior, o fenômeno avançou para o meio das
apresentações, para a entrada em cena. "A sugestão é, no caso de
estrelas menos veneráveis, como Julia Roberts, 'bom para você, você é
famosa'", critica Brantley.
PANDEMIA
Ele reconhece que aplaudir de pé é um "vírus" que pode ter tido sua
origem na Broadway, seguindo depois para Europa e outros junto com as
franquias dos musicais nova-iorquinos.
Cláudio Botelho, que ao lado de Charles Möeller ajudou a estabelecer os
musicais no Brasil, também questiona o fenômeno, mas acrescentando ser
mais acintoso por aqui —onde programas de auditório teriam instituído,
segundo ele, que "quem quer que apareça é aplaudido".
Lamenta, sobretudo, que "não tem mais diferença: aplaudem de pé tanto
Marília Pêra como qualquer grupo jovem". Citando também Bibi Ferreira e
Fernanda Montenegro, cobra: "O que você vai dar como reconhecimento às
grandes divas?".
São muitas as hipóteses para a "febre", segundo o "NYT": espectadores
aplaudem para justificar o ingresso caro; por serem turistas, não
habituados ao teatro; pelo alívio físico de se levantar; até para chegar
antes à saída, nas plateias lotadas.
Antunes acrescenta um fenômeno local relativamente novo e semelhante
àquele dos turistas na Broadway: "A classe média aumentou. É uma coisa
boa, mas eles ainda não têm base. Ir ao teatro já é uma vitória social".
Saulo Vasconcelos, protagonista de musicais como "O Fantasma da Ópera"
no Brasil e no exterior, soma ainda duas razões específicas, no caso de
São Paulo. "As pessoas aplaudem já se levantando para ir embora, porque o
estacionamento é um inferno. E também porque o espectador daqui é
gentil, quer mostrar seu carinho."
AUTOENGANO
Ron Daniels, que começou como ator nos anos 60 no Teatro Oficina e a
partir dos anos 70 se estabeleceu como encenador em companhias como a
Royal Shakespeare Company e o American Repertory Theater, acredita que o
problema é maior nos Estados Unidos e no Brasil.
"Em Nova York eles sempre se levantam. Na Inglaterra, só em musical,
Shakespeare não", diz ele. "Eu detesto esses aplausos, o espetáculo
perde o valor. Mas, quando é merecido, a 'standing ovation' [aclamação
de pé] é maravilhosa."
Para Daniels, o fenômeno "é muito esquisito: a plateia se congratula a
si mesma". Michael Billington, que é crítico do londrino "Guardian",
concorda que a febre do aplauso de pé surgiu com o público "tentando
enganar a si mesmo", sugerindo que a cura teria de partir dele.
Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/01/1401502-febre-de-aplauso-de-pe-incomoda-artistas-e-criticos-de-teatro.shtml
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