quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Tribuna do Norte | Capítulos de uma novela teatral

Yuno Silva - repórter

A novela que envolve Fundação José Augusto e grupos teatrais do Rio Grande do Norte contemplados em editais pendentes desde 2009 está longe dos últimos capítulos. Por tabela, o folhetim que já atravessou governos e vem sendo esticado à exaustão pelos gestores públicos, ainda envolve personagens de outro núcleo da trama: o Festival Agosto de Teatro. Além da verba destinada ao festival, os grupos também cobram o pagamento dos Prêmios Lula Medeiros de Teatro de Rua (manutenção) e Chico Vila de Circulação (turnê dos grupos) e, por tabela, a reabertura do Centro Experimental de Pesquisa Teatral, que existe há mais de dez anos e foi responsável, entre outras coisas, por revelar talentos como a atriz Titina Medeiros.

O ator Rodrigo Bico, representante estadual da rede de Pontos de Cultura, Lenilton Teixeira, diretor do grupo Estandarte, e Ivonete Albano, atriz e coordenadora do Agosto de Teatro, convocam grupos para debates hoje no Barracão dos Clowns
Os problemas se arrastam por mais de um ano chega agora ao ponto crítico. Os principais grupos potiguares produziram uma "Carta aberta dos fazedores das artes cênicas do Rio Grande do Norte para a Secretária Extraordinária de Cultura". Distribuída para imprensa e divulgada em blogs e redes sociais na última terça-feira (20), a carta assinada pela Rede Estadual dos Pontos de Cultura e por 23 grupos de teatro sediados em Natal, Caicó, Currais Novos e Mossoró, faz nova cobrança e aponta uma série de diretrizes que podem contribuir com a construção de uma política pública capaz de suprir necessidades do segmento. Para tratar deste e outros assuntos, haverá reunião hoje, às 19h, no Barracão dos Clowns em Nova Descoberta, aberta a todos os artistas que atuam nas artes cênicas (dança, teatro e circo) interessados no assunto.

"Antes de mais nada, queremos deixar claro que não estamos aqui reivindicando apenas o dinheiro que nos cabe, que foi conquistado com trabalho e concedido através de edital público. Estamos falando de ações estruturantes. As artes cênicas precisam de políticas públicas para garantir a manutenção e continuidade das atividades", frisa o diretor de teatro Lenilton Teixeira, do Grupo Estandarte. O montante total da dívida que vem torturando o teatro potiguar não passa de R$ 430 mil, um valor parecido com o que investido pelo Governo do RN no período junino (R$ 376 mil) e inferior ao gasto durante o projeto Agosto da Alegria (cerca de R$ 600 mil). A verba do Agosto da Alegria também serviu para quitar o Prêmio Cornélio Campina de Cultura Popular, outro edital que também estava pendente desde 2009.

"Como havia interesse na participação dos grupos populares no evento, houve essa prioridade. Ou seja, a FJA paga o que lhe convém?", questiona o ator Rodrigo Bico, do Facetas, Mutretas e Outras Histórias. "A discussão do pagamento está sendo de acordo com a conveniência do Governo, é isso? E o respeito com o artista que se submeteu ao edital", emenda a atriz Ivonete Albano, da Carpintaria Teatral e também coordenadora do Festival Agosto de Teatro.

PERMUTA E AUTOS NATALINOS

Lenilton, Bico e Ivonete conversaram com a TRIBUNA DO NORTE sobre o assunto na manhã de ontem, e esclareceram alguns pontos abordados durante reunião com Isaura Rosado, secretária Extraordinária de Cultura/FJA, realizada no fim de agosto. Segundo os artistas, durante o encontro, Rosado chegou a sugerir à comissão que participou do encontro a troca dos pagamentos dos Prêmios pela montagem de Autos natalinos - um total de 40 autos. "Consultamos os demais grupos e a proposta foi rejeitada. Para avançarmos nas negociações, fizemos uma contraproposta: de concentrar as apresentações previstas no edital como contrapartida no período dos festejos de Natal", adiantou Ivonete. "Isaura está estudando essa possibilidade e se a intenção do Governo é reforçar os eventos no período, acredito que esta seja uma boa solução", acredita.

Para Rodrigo Bico, mesmo com a possibilidade de agilizar o recebimento dos recursos, a permuta não vale a pena por interromper o trabalho já desenvolvido por cada grupo. "Não dá para parar tudo e se dedicar a um formato que nem sempre condiz com o perfil trabalhado dentro de cada grupo. Esse edital dos Autos não contempla nossa prática, nossa independência de pensamento e a liberdade intelectual e estética", critica o ator. "Sem falar que o objeto principal do edital seria alterado, pois tem grupos que se inscreveram para viabilizar a manutenção da sede e renovação de figurino", complementa Albano.

Os artistas também chamaram atenção para a falta de tempo hábil para viabilizar o edital dos Autos. "É necessário um mínimo de 45 dias para o período de inscrições. Depois temos que prever o tempo de seleção das propostas, os trâmites dos processos, dos pagamentos, para então pensarmos no início da montagem do espetáculo. Na melhor das hipóteses isso aconteceria no início de dezembro, ou seja, inviável", garante Ivonete Albano. A atriz informou que até o próximo dia 15 de outubro haverá novo encontro com Isaura para definir o roteiro dos próximos capítulos.

Enquanto o pagamento dos editais não sai, a verba destinada ao Festival Agosto de Teatro está quase liberada. Realizado em outubro do ano passado, o festival recebeu diretores consagrados de teatro como Amir Haddad, oficineiros, curadores e grupos de várias partes do país. "Vai ser pago", disse Ivonete com otimismo. "Estou acompanhando diariamente o trâmite dos 17 processos e três deles já estão, desde agosto, no setor financeiro da FJA para pagamento. Falta a Secretaria Estadual de Planejamento liberar o recurso já empenhado", disse. "Esses processo só voltaram a andar no último dia 8 de agosto, depois de ficarem mais de 100 dias parados na direção financeira da Fundação", conclui Albano.

BATE-PAPO: Isaura Rosado, secretária de Cultura

A FJA/SecultRN planeja abertura de novos editais para artes cênicas, independente de eventos pontuais e períodos festivos?

Sim. Estamos resolvendo os editais pendentes e pagando débitos passados, ao mesmo tempo em que buscamos consolidar um diálogo objetivo com os grupos de teatro. Logo mais a Secultrn vai propor editais que contemplem a circulação no Estado e, em parceria com outros estados, a circulação regional e nacional.

O fechamento do Centro Experimental de Teatro foi entendido como retrocesso. Há propostas para reativar o espaço e prazo para que isso aconteça?

Qualquer equipamento público que fecha suas portas deixa um sentimento de frustração. Infelizmente, o problema do Centro Experimental de Teatro não é um caso isolado. Está nos planos qie o espaço seja absorvido por algo bem maior, que é o Centro de Ensino de Artes (Cena), que já está em processo de análise pelo Conselho Estadual de Educação.

Quando os Prêmios Lula Medeiros e Chico Vila de Circulação, de 2009, serão quitados? E o Festival Agosto de Teatro? Se o CDE já autorizou o aporte financeiro, então o que está faltando?

Trâmites burocráticos sempre existem, até porque as leis e normas precisam ser cumpridas. Agora, não nos falta vontade política. No dia em que fui ao Conselho de Desenvolvimento Econômico, para abrir mão de parte do orçamento de 2011, convidei um representante das Artes Cênicas. E todos os presentes testemunharam o meu empenho em resolver esse imbróglio que se arrasta por dois anos. No que se refere às contas atuais, temos nos esforçado para honrar nossos compromissos com a máxima celeridade possível.

Foi marcada nova reunião para dia 15 de outubro. O que pretende ser comunicado aos artistas nesta data?

Na primeira reunião que fizemos dia 26 de agosto estávamos prontos para pagar o Agosto de Teatro, o Auto de Santana e o Auto de São João, todos já realizados. Além disso, propusemos um incremento nos prêmios Chico Vila e Lula Medeiros (edital dos Autos). Precisávamos, no entanto, de uma adequação nos objetos desses editais. Infelizmente, os grupos não aceitaram nossa proposta, o que nos levou a solicitar o prazo de 15 de outubro para examinarmos se teremos recursos para pagar os editais do Governo passado e executarmos as propostas da atual gestão para este ano. Importante frisar que a recusa dos grupos não comprometerá a nossa disposição ao diálogo, até porque contamos com eles para fazer acontecer a cultura do Rio Grande do Norte.

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