segunda-feira, 26 de setembro de 2011

OPINIÃO - Por Michel Blanco

Machado de Assis virou um “case” inglório, esculhambado numa peça publicitária que pretendia, vejam só, enaltecer o patrimônio nacional e a memória brasileira. Mulato, o Bruxo do Cosme Velho é interpretado por um ator branco no comercial em comemoração aos 150 anos da Caixa Econômica Federal.

O erro não é gratuito, embora também não seja intencional — e esse é o lance. Sem querer, a peça publicitária da Borghierh/Lowe revela uma herança bem brasileira: o racismo velado. Não só existe como nos esforçamos em ignorá-lo, tamanha é a força persuasiva da ideia de que um país outrora escravocrata possa ser livre de preconceito racial.

Tal representação está na origem do mito fundador do Brasil, aquele de que somos uma conjunção harmônica de índios, europeus e africanos. Um papinho manjado, mas duradouro, que vinga como solução imaginária para tensões de uma nação formada de maneira autoritária, de cima para baixo.

Assim que transmitido, o comercial da Caixa foi detonado por críticas. De mesa de bar ao Twitter, ouviram-se queixas. A pá de cal foi despejada pela Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), que solicitou a suspensão da peça. Foi atendida pela Caixa, inclusive com pedido de desculpas.

Do episódio todo, sobra a constatação de que não só há preconceito no Brasil como também não sabemos lidar com o assunto. Ao se desculpar pelo mau feito, a Caixa fez outro e matou o mulato: “O banco pede desculpas a toda a população e, em especial, aos movimentos ligados às causas raciais, por não ter caracterizado o escritor, que era afro-brasileiro, com a sua origem racial.” Machado, certamente, ficaria duplamente fulo. Que mal há em ser mulato?

Quanto à agência, todo expertise, brand, target e jargões afins não foram páreo para a ignorância, esterco que aduba todo preconceito. Ninguém em sã consciência pode supor que o embranquecimento de Machado é deliberado. Mas o que é senão preconceito enraizado o simples fato de um grupo de publicitários nem sequer se questionar se o maior escritor brasileiro pudesse não ser branco?
Veja o video:
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