sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A DITADURA DA INTELIGÊNCIA

Por Paola Rodrigues
Os novos intelectuais se acumulam nos corredores das universidades, nos cantos do Facebook e nas livrarias em busca do novo título profundo. A questão é, eles exercem a reflexão ou apenas provam um ponto?
lorenzobusato_alberteinstein.jpgAlbert Einstein sendo culto.
Não acredito no poder de citações para provar um ponto ou concluir um pensamento, acredito em citações quando alguém também refletiu sobre algo e você concordou ou encontrou um elo com o que pretende naquilo. Então, acho válido citar Kant no princípio deste texto para que você, leitor, entenda do que estou a falar: "Erudição não cura estupidez e nem garante que a pessoa tenha adquirido autonomia intelectual".
Agora como tenho por hábito iniciar tudo com uma boa e velha história, dou inicio a um relato que marcou os mares do que seria minha ambição profissional.
Quando tinha meus 15 anos de idade, ganhei de presente da minha mãe os livros da saga Crepúsculo. Na época era o que estava em alta e como ela sabia que gostava de ler, me deu de presente e coincidiu que nessa mesma época eu não usava muito o computador, ainda não tinha um - algo que viria a ganhar exatamente um ano depois - e eu li, adorei, li de novo. Fui à biblioteca e peguei alguns livros de romance, Nora Roberts, coisas assim.
Até então eu tinha uma ótima lista de livros, de poesia a bibliografias, não fazia distinção de nada, lia porque amava ler e assim continuei, calhou que alguns títulos seriam a Bíblia para os intelectuais atuais. Chegou meu aniversário de 16 anos e eu ganhei um computador, daqueles mais antigos, o famoso PC com um gabinete barulhento e foi como dar doce para uma criança. Fiquei horas naquilo, no falecido MSN, fiz um Orkut na época, li mais um monte de livros e foi lá que terminei meu primeiro Proust, de quem iria virar fã.
crepusculo livro.jpgCapa do primeiro livro da Saga Crepúsculo.
Num dos fóruns que participava havia um tópico "Coloque aqui seus livros preferidos" e eu tragicamente coloquei Crepúsculo na minha lista e minha vida social na internet naquele dia chegou ao fim. Chamaram-me de muitas coisas: manipulada, burra, péssimo gosto para literatura e uma amiga me falou que não esperava isso de mim, que ela achou que eu era diferente daquele povo sem cultura. Eu fiquei arrasada naquela altura, eu não conhecia uma disputa velha e muito repercutida na internet. Que é a guerra pelo mais esperto, inteligente, intelectual e culto.
O ponto não é esperar uma sociedade mais informada, questionadora e participante, o ponto é apenas provar que é melhor que o outro, aquele que apenas não está inserido no seu patamar de "inteligência".
O que me fez lembrar desse ocorrido e escrever este texto foi uma discussão descontraída sobre o tema na mesa de jantar e a recente leitura de um artigo da Veja de 2001, onde é discutido o sucesso das pessoas inteligentes, como elas não precisam de muito mais do que seus cérebros super potentes, tudo isso sendo jogado pelo Presidente da Mensa Brasil, um clube internacional para pessoas com um QI "superior ao normal".
No artigo uma tal de Cathi Cohen afirma que "As pesquisas têm demonstrado que as pessoas com menor quociente de inteligência tendem a ter pior performance na escola, carreiras profissionais problemáticas, laços familiares frágeis e, por tudo isso, a apresentar mais freqüentemente quadros depressivos". A informação se modificou atualmente, com pesquisas mais bem direcionadas, mas infelizmente muitos ainda repetem tal coisa.
Ainda há um trecho que preciso colocar aqui antes de trabalhar a ideia "O roqueiro Roger Rocha Moreira, do grupo Ultraje a rigor, tem 44 anos e QI 172 - altíssimo. O QI médio fica entre 90 e 110. Ele está em uma das fotos que ilustram a abertura desta reportagem. Roger se alfabetizou sozinho aos 3 anos de idade, pulou a 4a série primária porque já sabia tudo que estava sendo ensinado e chegou ao 2o ano do curso de arquitetura antes de decidir seguir carreira musical. 'Sempre consegui tudo que quis', ele diz."
Agora, podemos voltar ao ponto de partida, onde temos uma sociedade que nos exige sucesso também. Temos que ter Doutorado, carro, casa, relações estáveis, amigos fiéis e um cachorro de raça, também devemos gostar de viajar, beber vinho ou cerveja importada, não acreditar em Deus e claro, ler livros maravilhosos, de autores consagrados. Temos que ser inteligentes, porque inteligência é isso.
Roger conseguiu tudo que quis porque tem um QI de 172, seus riscos de ter depressão são baixos. Eu que li Crepúsculo não devia nem estar aqui escrevendo, devia estar morta, tendo me jogado do décimo primeiro andar depois de perceber tamanho vazio na vida.
O caso a ser discutido não é sobre a massificação da literatura ou estudos avançados sobre a felicidade em pessoas extremamente inteligentes, é como nós, sociedade atuante e infelizmente agora usuários de Facebook, estamos dividindo as pessoas em três grupos distintos e quase fazendo um bullying com elas: os cultos, os belos e os malditos.
Eu mesma já fiz isso em certa altura com pessoas do meu meio - e isso é uma exemplificação do que é burrice, fazer com o outro o que fizeram com você -, apontei a leitura precária delas, comentei sobre a alienação e falta de opinião política quando nem eu tinha conhecimento sobre política. Citei 30 autores diferentes para comprovar um ponto, ostentei minha literatura refinada e me olhei no espelho. O que estava fazendo com meu cérebro afinal?
Acredito que não sou um caso isolado, conheço pessoas ao meu lado, vejo elas todos os dias, aquelas que apontam a ignorância alheia quando definitivamente não sabem nada. Andam pelos corredores carregando no braço livros de Sartre, Foucault, Saramago como se fosse uma Bíblia, proclamam citações como se fossem verdades absolutas e apontam o dedo para tudo que não englobar essa roda de burrice funcional. É a autoafirmação: eu sou, eu consigo, eu quero, eu tenho potencial e facilidade, eu venço porque sou mais rápido no Google.
41-thumb-600x600-54646.jpgSe você sempre tenta parecer inteligente, vai acabar parecendo estúpido - Alex Noriega. Você pode ver mais trabalhos de Alex aqui.
Inteligência é algo muito mais complexo que 30 livros europeus e a palestra do seu professor de Sociologia. O senhor que me vende alfaces todos os dias tem uma capacidade superior de refletir, constatar e compreender, isso faz dele inteligente. Quem tem muito conhecimento e tenha agregado ele por leitura, TV, filmes, discussões, aulas e debates não é superior ao Seu Francisco, só diferente.
Batalhamos por informação na tentativa de demonstrar inteligência e nisso mostramos descaradamente a face da verdade, de que não há reflexão, compreensão, embasamento, apenas uma superficialidade desastrosa que nos impõe saber tudo, não importa a idade, momento, cultura ou expectativa. Isso é burrice.
O verdadeiro erro aqui mostrado não é a discussão sobre QI, ou se você consegue terminar a revista de Sudoku no nível mais difícil - é verdade que ler livros mais reflexivos faz bem e eu aconselho, não vou contra o pesquisador que me falar qualquer coisa desse gênero - , o que me incomoda como atacada e atacante é que nos exigem saber sem ensinar, conhecer sem apresentar e evolução sem paciência.
Falam que o brasileiro é burro, é preguiçoso, que não luta por seus direitos e é viciado em novela, mas o europeu, este é maravilhoso, faz passeatas, luta por seus direitos e há ainda os ingleses, que deixam de fazer sexo para ler ( ! ), devemos ser assim, temos que cobrar isso de nosso povo. Europa tem quantos anos de civilização? Como foi sua colonização? Quantas Guerras mesmo? Ah sim, claro, faz todo sentido, nós que temos 513 anos, uma colonização que até hoje faz com que nosso povo nade na merda, onde mais da metade da população trabalha mais de 40 horas semanais para sustentar a família e você, querido universitário que sua preocupação maior é terminar aquele livro de pompa vem me falar que este povo é burro.
Até onde eu sei estudamos, batalhamos e tentamos mudar essa realidade triste sendo mais conscientes, aproveitando da alegria de poder colocar o máximo de empenho em pesquisa para que um dia nosso país se liberte das garras da suposta alienação. Até onde eu sei faculdade ou conhecimento nenhum te dá direito de rebaixar um povo que só é mais vez: diferente, numa realidade diferente, numa expectativa diferente.
tumblr_m97pejoF1d1qzmspco1_500.jpgVeja mais da genialidade deste artista no Laboratório de Remédios.
Isso me fez crer que eu estudo, eu leio, eu pesquiso, eu assumo que nada sei e que quero compreender mais para fazer um país melhor. Quando levantar do sofá e for para as ruas, quero gritar até minha garganta doer por algo que entendo e acredito. Não quero fazer isso porque é legal, porque a galera está lá. Porque o gigante não acordou, porque eu acordei.
Da mesma forma que em minha lista de leitura até hoje contém Crepúsculo, como ele também está na minha prateleira e se alguém me perguntar, darei uma crítica verdadeira sobre. Você que nunca leu, deveria ler, acredito que pior que vampiros que brilham, é um individuo que não usa sua inteligência, isso é mais ofensivo.


PAOLA RODRIGUES

Concorda com Salinger, todos batem palmas pelas razões erradas.
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