Por Tadzio França
O conceito de arte é o mais amplo que existe - e está sempre em discussão. Alguns rótulos se fazem necessários para facilitar a compreensão dos apreciadores e conduzir exposições. Um recorte popular é o que oferece, a princípio, o Salão Nordeste de Arte Popular Chico Santeiro, cuja segunda edição segue até o dia 07 de setembro, na Pinacoteca do Estado. Entre 30 artistas diferentes e uma média de 70 obras expostas - todas à venda (ou já vendidas) - observa-se que a ideia de arte popular exibida na exposição está mais aberta do que parece - ou deveria.
Emanuel Amaral
Considerada uma das grandes artistas populares, Luzia Dantas, de Currais Novos, ficou em 4º lugar com a obra Os Retirantes, peça em madeira
A dimensão regional oferecida pelo Salão Chico Santeiro é abrangente, mas pode confundir a percepção do que seja uma arte verdadeiramente popular. O salão expõe amostras de desenhos, esculturas, colagens e gravuras, sendo que o segmento da pintura foi o mais favorecido com os três primeiros lugares, numa mescla de pinturas naif e acadêmicas.
O colecionador e marchand Antônio Marques foi um dos idealizadores do projeto, já prestou consultoria para o próprio, mas acredita que algumas ideias precisam ser revistas. "Os critérios de escolha das obras precisam ser mais pensados. Por que dedicar os três prêmios maiores à pintura, se temos esculturas, desenhos e xilogravuras igualmente excelentes? Acho que a premiação precisa ser desmembrada, uma divisão por categorias seria o mais justo", afirma.
"Os critérios de arte popular deveriam ser mais esclarecidos para evitar equívocos. Sei que na hora da prática essa divisão não é tão fácil", completa. Antônio Marques reforça a ideia de que o salão precisa ser coerente com a obra de seu inspirador, Chico Santeiro, um artista intuitivo, autodidata e realmente popular. "Vejo obras no salão que possuem um conceito totalmente acadêmico, obras refinadas ou muito modernas para representarem a cultura popular. Nós temos uma tradição muito rica de artistas santeiros, algo que poderia ser melhor representado na mostra", diz. Marques ressalta os trabalhos de alguns artistas do salão, como "Os retirantes", de Luzia Dantas, uma senhora octagenária de Currais Novos que faz poéticas esculturas de madeira há 60 anos.
Outras obras mantêm o espírito original do salão popular, segundo Antônio Marques, como as pinturas genuinamente realistas de Rosa Maria da Costa, uma artista da periferia que retrata cenas do cotidiano humilde; os quadros de madeira mogno esculpidos em peça única, repletos de detalhes entalhados a cargo de Raimundo Araújo (o Mundoca), e um oratório barroco feito a partir de madeira resina e bisquiti. Apesar dos ajustes a serem feitos, Marques afirma que o salão é importante por evidenciar os artistas. "É uma novidade no Estado, e que movimenta o cenário. Ano passado participei da seleção, e não dávamos conta de tanta gente que mandou seus trabalhos", diz.
O professor e pesquisador de arte popular Everardo Ramos afirma que o próprio edital não favorece a seleção de artistas genuínos do segmento. "Os critérios são vagos e equivocados. Coisas como 'utilização de materiais' e 'linguagem estética' não significam nada. O formato é incongruente com o edital, já que vejo aqui pessoas letradas, formadas, com longo currículo de exposições. Óleo sobre tela não é arte popular. O edital exige uma série de documentos. Os artistas populares de verdade nem saberiam como participar disso. O evento em vez de chamar, deveria procurar esses artistas", ressalta.
Everardo chama especial atenção sobre a obra de Francisco Everaldo dos Santos, mais conhecido por Seu Santos, um exímio e diferenciado escultor em madeira. "É um dos maiores artistas populares em atividade no Estado", afirma. Santos ficou em 14º lugar na seleção geral do salão. "Não conheço um artista local como Seus Santos. Apesar de nunca ter feito um curso na vida, suas obras são de um requinte impressionante. É popular, mas quase acadêmico de tão refinado", diz. Será a primeira vez de Santos numa exposição coletiva deste porte. A mostra particular do artista será no fim de agosto, no Museu de Cultura Popular.
Artistas foram prejudicados por terem enviado "foto ruim" da obra, justifica diretora
A diretora da Pinacoteca do Estado, Vanderci Holanda, explica que muitos artistas foram prejudicados em sua classificação por terem enviado uma foto ruim de sua obra no material de inscrição. Apesar dos percalços, ela ressalta que o salão promete repetir o sucesso do ano passado. "Temos um mercado consumidor de arte muito bom e que está começando a aparecer. Faremos três salões e mais 16 exposições até março de 2013. Há gente que não sabe que temos artistas tão bons. O salão é uma forma de divulgar nossa arte", conclui.
PREMIADOS
Receberam, cada um, o prêmio de R$3 mil reais: Mário Sérgio de Lima, representando brincantes em movimento; o já conhecido Ivo Maia, com suas mandalas e cabalas conceituais, e a pernambucana Ivone Mendes, com telas em acrílico representando cenas de infância sob uma perspectiva naïf (ingênua). Os demais selecionados ficaram com R$400. Artistas de todo o Nordeste enviaram seus trabalhos para o concurso, sendo avaliados por uma comissão local.
Seu Santos: o detalhismo que nasce da observação
A obra de Francisco Evaristo dos Santos nasce da pura e simples observação. Um olhar dos mais detalhistas, já que suas esculturas em madeira são expressivas, cheias de detalhes, movimento e sentimento. 'Seu Santos' faz paisagens em madeira. Para o Salão de Arte Popular ele trouxe a peça "Carregando água do Lajedo", mais um exemplo de como ele elabora momentos entalhados. Apesar de figurar em algumas das melhores coleções de arte popular do Estado, Santos permanece praticamente desconhecido no meio artístico potiguar.
Nascido no interior da Paraíba, ele veio ainda criança para o Rio Grande do Norte. "Fui criado num sítio. Quando chovia, eu pegava o barro mole e fazia imagens de animais, eram meu brinquedos", conta. Por muito tempo, seu trabalho foi em cerâmica. Ao ver a fragilidade do material, partiu para a madeira umburana, de corte fácil e macio. Um problema de saúde nas pernas, que o impediu de trabalhar no campo, fez com que Santos abraçasse de vez a arte da escultura.
A maior inspiração de Santos é a vida rural. "Sempre gostei de observar, de descobrir formas. O que eu achava bonito, me esforçava pra fazer igual", conta. E assim foi surgindo sua arte. As imagens figurativas do escultor reproduzem cenas de personagens religiosas, pescador, homens carregando latas de água, lenha e peixe, segurando a enxada, etc. São cenas que ele diz guardar na memória, da época em que morava em Caicó.
Por muito tempo, Santos vendeu suas peças nas ruas, de porta em porta, com as estatuetas debaixo do braço. Até que colecionadores de olhar mais aguçado perceberam a riqueza de suas peças e passaram a encomendar, e valorizar. A natureza do trabalho artesanal e solitário faz com que Santos produza pouco. Suas peças podem levar de 15 dias a um mês, dependendo do tamanho. Os maiores trabalhos foram encomendados para igrejas, como a de São Gonçalo, que ele levou oito meses para concluir.
Seu Santos não guarda nada em casa. Tudo que faz, seja por encomenda ou não, logo sai para a venda. "Não posso me dar ao luxo de guardar peça em casa. As vendas são minha sobrevivência", diz ele, que mora atualmente no bairro das Quintas. Para a exposição no Museu de Cultura Popular, programada para o fim do mês, o professor Everardo Ramos está tomando peças emprestadas junto aos clientes de Seu Santos. "Será um privilégio para mim ver as estátuas num lugar só. Eu gosto de ter esse reconhecimento", afirma o santeiro.
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2 comentários:
bem de inicio muito obrigado por colocar a foto do meu oratório pois sou o autor da obra , só para melhores esclarecimentos quero dizer que ,li o texto e vi um pequeno erro da pessoa que citou que esse oratório foi feito de colagem e material reciclado, um erro ele é feito de madeira resina e bisquiti não há nada de reciclado nele (meu nome é josailtom e sou autor da obra)
Sem muitas delongas, obrigado por manter a obra do meu bisavô viva. Um artista como ele não pode ser esquecido na Cultura do Rio Grande do Norte.
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