Assim como a nossa fala pode por vezes nos trair e revelar
aquilo que de forma alguma confessaríamos abertamente, também as imagens
revelam sem que se dê conta o que de fato pensamos sobre o mundo, ainda
que a intenção e o objetivo tenham sido radicalmente outros. Isto
porque as imagens condensam crenças, significados, visões de mundo,
etc.. Por isso que, às vezes, uma imagem pode valer mais do que mil
palavras.
Foi exatamente nesta “armadilha das imagens” em que incorreu a campanha publicitária do Colégio CEI Mirassol, elaborada pela empresa Criola – assista-o no final do texto.
A propaganda exibe uma sessão de ultrassonografia onde os pais, cheios
de orgulho e planos, especulam e imaginam a futura profissão do filho.
Os desejos e expectativas dos pais sobre o “que o filhinho vai ser
quando crescer”, se médico, juiz ou engenheiro, são intercalados com
imagens depreciativas de outras ocupações, digamos, menos prestigiadas;
“pai-de-santo”, juiz de futebol e palhaço.
A cada expectativa e profissão imaginada pelos pais corresponde uma outra ocupação e futuro em que se vai do sonho à frustração, do sucesso ao fracasso, do orgulho à vergonha, do prestígio social e status à condição de menosprezado.
O ser médico, engenheiro ou juiz servem como metáforas para definir o
que é um futuro e uma pessoa de sucesso e prestígio ao passo que
“macumbeiro”, palhaço e juiz de futebol servem para definir as marcas do
fracasso, da vergonha e do desprestígio social. De um lado, os notáveis
e exitosos, de outro, a ralé.
Assim, o médico, símbolo máximo da credibilidade e da ciência é
contrastado com um desacreditado e mediúnico “pai-de-santo” – num claro
estigma e desrespeito a outras crenças religiosas; o engenheiro, símbolo
da sisudez dos cálculos tem o seu oposto no palhaço sem graça; e, por
último, o juiz de direito, figura que exprime o ápice da autoridade e do
respeito possui como o seu avesso, o contestável juiz de futebol, alvo
máximo do desrespeito alheio e de todas as torcidas. As oposições entre
as profissões exprimem, na verdade, oposições morais;
credibilidade/incredibilidade, respeito/desrespeito, sucesso/fracasso.
Essas oposições morais definem o valor das profissões, e, por
consequência, o valor das próprias pessoas.
Ao final, a propaganda encerra com uma frase que mais parece uma
contundente chantagem: “não basta sonhar com o futuro do seu filho, é
preciso fazer a escolha certa”. Ou seja, o “futuro certo” e a “profissão
certa” para que seu filho possa ser “gente” dependem da escolha pela
“Escola Certa”, isto é, aquela que garante atingir a expectativa da
santíssima trindade médico-engenheiro-juiz; do contrário, aos pais
restaria não apenas ter de se contentar com sonho mas com a
possibilidade real de vivenciar o fracasso, a frustração e a vergonha.
A propaganda não é apenas preconceituosa e ofensiva mas reveladora
das hierarquias sociais e morais que estão depositadas na maneira como
as classes médias altas brasileiras enxergam e dividem o mundo e as
pessoas. Ele revela, portanto, o preconceito profundo em que se sustenta
a visão de mundo dessas camadas, fundamentado particularmente na ideia
da existência de ocupações e atividades superiores e mais importantes,
que brindam reconhecimento e distinção social, em contraposição àquelas
avaliadas como inferiores e menos importantes, marcadas pelo menosprezo e
desrespeito. Eis aí a medida com a qual cada um será avaliado como
alguém de sucesso e significativo para a sociedade ou simplesmente como
um ”fracassado”, “inútil” e “invisível”.
É bem verdade que não foi o CEI que produziu o vídeo. Porém, sua
aprovação expressa mais do que uma infelicidade: exprime a aceitação e
reconhecimento da escola do conteúdo e das mensagens contidas, ainda que
ela não tenha se dado conta dessas dimensões mais latentes. Muitos
podem se surpreender e lamentar que uma instituição de educação admita
ou deixe passar despercebido tais alusões preconceituosas e
estigmatizadoras. Mas, de modo algum, isso é uma surpresa.
Afinal, conforme sustenta o sociólogo Jessé Souza, numa sociedade que
consente e naturaliza a produção e classificação de “gente” e cidadãos,
de um lado, e “subgente” e “subcidadãos”, de outro, é evidente que tal
consenso se manifeste, ora de modo visceral ora de modo sutil, nas
instituições de educação, sobretudo naquelas escolas voltadas para a
formação das classes médias alta.
Que a escola e os educadores que a integram reavaliem a “pedagogia”
contida na propaganda, pois a tarefa essencial da educação e das escolas
na formação das pessoas é contribuir para a sua emancipação. Só podemos
falar de emancipação quando esta é, também, uma emancipação dos
preconceitos, quer dizer, a superação de seu poder sobre nós, nossos
pensamentos e atos. E isto somente é possível questionando e criticando
concepções sociais como as que estão presentes na peça publicitária.
Assista o video:
CEI Mirassol 2013
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=mJ79uPfAOFg
Disponivel em:
http://www.cartapotiguar.com.br/2012/10/19/cei-mirassol-publicidade-e-preconceito/
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