Por Fábio Fernandes
Como todos que acompanham esse blog sabem, sempre divulgo com louvor o trabalho desse mestre da poesia assuense (Assu-RN), seja postando poesias, comentando sobre sua vida e obra e também na preocupação com a memória de nossos poetas tão importantes para o meio cultural. Isso me torna feliz e realizado por ter feito a "minha parte" no preparo do bolo.
Renato escreve muito sobre o sertão, a vida rural, as pessoas e todo o seu proselitismo acerca da vida regionalista. Em Assu, por exemplo, o poeta discorre lindamente o universo urbano e seu cotidiano exaltando o trabalho da cidade:
Assú de chapeu de palha!
Que luta... vive e trabalha
Somente para comer.
Assú que vive sofrendo
A própria dor escondendo
A angústia do seu viver!
O poeta logo se mostra um amante do lugar onde viveu, este é muito saudosista, tem uma visão otimista em relação a continuidade e ao valor da poesia no local :
Heróis, poetas, escritores
Boêmios e trovadores
Ilustraram tradições!
Que não serão sepultadas
Para serem proclamadas
Pelas novas gerações.
Logo se vê quão sonhador era nosso poeta. No mesmo poema a cultura popular também é exaltada:
Dança dos Congos, Lapinha,
Folguedos da argolinha,
Bumba meu boi! Pastoril
Eram brincos engraçados,
Hoje porém divulgados
De norte a sul do Brasil.
Bem, percebe-se de imediato que Renato era um homem muito sábio, ele usa o termo "eram" do verbo "Ser", este pretérito (mais que perfeito) condiz com a realidade cultural da cidade - não se tem conhecimento de lapinha, folguedo de argolinha algum, bumba meu boi e vagamente se sabe de pastoril por lá. Mas não é dessa desvalorização com os fenômenos culturais que quero falar, minha excitação em escrever esse artigo, é de evidenciar a visão machista e preconceituosa proveniente da geração de Renato Caldas.
Sabe-se que Renato nasceu no inicio do século xx, num período muito difícil com relação a economia do país, o quadro politico era de grande retrocesso para o homem do campo, não tínhamos politicas voltadas às ditas minorias, movimentos sociais fortes e nem ao menos "facebook" pra compartilhar raríssimas coisas importantes.
Do livro "Fulô do Mato", um clássico da poesia potiguar na minha singela opinião, me pego lendo o poema "Home":
Home que larga a muié,
Pra vivê c'uma sujeita;
Ou esse cabra num presta,
Ou entonce é coisa feita.
Home que vévi se rindo,
E diz que nunca chorô;
Ou esse cão ta mentindo,
Ou por ôta nunca amô.
Home que deixa a muié,
In casa-e vai passiá...
O fim dele tem que sê:
No sumitéro ou hospitá.
Até aqui tudo bem,percebe-se que o ideal-tipo de homem daquela sociedade de inicio do século era um "homem perfeito" voltado único e exclusivamente para a família, um sujeito sem pecado e politicamente correto ao extremo. Esse pensamento sugere uma sociedade utópica, visto que não existe se quer ser tão puritano a tal ponto. Ainda no mesmo texto o poeta escreve:
Home que anda inlordado,
Sem tê uma ocupação...
No mundo só pode sê:
Ou vagabundo ou ladrão.
A principio aprendo uma palavra "nova" (inlordado) -provavelmente uma gíria da época- acredito que seja alguém que não trabalha e só vive de "vida boa"- isso nos dias de hoje se configura na figura dos "playboyzinhos e/ou filhinhos de papai". Mas quando o homem não tem ocupação é tido como ladrão ou vagabundo: vale salientar que uma pessoa de ocupação para o homem rural seria alguém que vivia trabalhando no campo com uma pá e inchada na mão. Então o que dizer de mim que optei por estudar? Sempre levei o nome de vagabundo por ter deixado a inchada e optar pelos livros - o que dizer a respeito desses que pensavam assim? (Risos).
O grupo GLBT não iria gostar nada de ler o ultimo trecho do poema, sem a menor sombra de dúvida. Assim o texto revela:
O freguês da fala fina,
Que num gosta de muié!
Vamo atraz, que essa peste,
Tem um defeito quarqué.
Falar que esse raciocínio é preconceituoso e homofóbico seria o minimo pra o texto, nota-se que o ideal-tipo do homem assuense tinha de ter a fala grossa. Exame de prostata nem pensar, seria preferível um câncer do que sujar a honra com uma dedada no reto. A orientação sexual é tida aqui como uma anomalia, a visão machista e cristã da época reflete valores que martirizam a figura do gay, pois o fato de ser homossexual é tido como um defeito - Silas Malafaia e Jair Bolsonaro sem dúvida iriam amar o desfecho desse poema.
Enfim, é lamentável ver que num texto tão saudosista,a principio inteligente e sem dúvida lindo de ver e ler em vóz alta tenha um teor desagradável em sua interpretação critica. Não coloquemos a culpa no Renato Caldas, este é apenas mais um cidadão que não teve acesso as outras formas de pensar os assuntos vigentes e constituintes de uma sociedade. Temos é que tirar desse exemplo, a imagem negativa que nossa sociedade possuía para que desta forma possamos ensinar realmente através do respeito mutuo ao outro que a possibilidade de diversidade de opinião e gênero deve ser a priori o caminho que nossos filhos devem andar.
Saiba mais sobre Renato Caldas:
http://maricalman.blogspot.com.br/2012/08/re-postagem-um-pouco-sobre-o-poeta.html
http://maricalman.blogspot.com.br/2012/08/re-postagem-um-pouco-sobre-o-poeta.html
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