domingo, 30 de agosto de 2009

Aurora Numbora (Ato 2- Cena 5)

“Feitiço contra feiticeiros”


SEBIM - (Falando pra platéia ) Pois é, a verdadeira história está apenas começando : o velho Leopoldo encontrou uma sarna grande pra se coçar, e começa a aparecer o lado podre do homem, a chantagem emocional junto com o “escambau” .mas será que a mãe do Lucilio vai conseguir o que quer? sei não, mas acho melhor ficar só olhando o desenrolar dessa prosa.

(Entra Kakinha junta com Artênio)

KAKINHA – Olá rapaz você é o Artênio, ou estou confundindo?

ARTENIO – É moça sou eu mesmo. Mas quem é você que não estou lembrando bem?

KAKINHA – Sou a Claudinha ,mais conhecida como Kakinha, sobrinha do Leopoldo...lembrou agora?

ARTENIO --- Ah lembrei! Você é a menininha do riacho,imagina só se eu iria esquecer uma lembrança tão gostosa como essa?

KAKINHA--- Ué, gostosa por quê?

ARTENIO --- Ô moça, nem queira saber, senão tu me mata de tanta porrada.

KAKINHA---Ah ,agora fiquei curiosa, fala garoto,que lembranças são essas de mim?

ARTENIO --- É coisa de menino.

KAKINHA-- Fala.

ARTENIO -- Já f disse que é coisa de menino

KAKINHA--- (Irritada) Ah fala logo pô!

ARTENIO---. (Envergonhado) Deixa pra lá.

KAKINHA --- (Dengosinha e sedutora) Ah fala gatinho, por favorzinho!

ARTENIO--- Ah! me pedindo assim dengosinha eu falo o que quiser!

KAKINHA --- (Pro público) Se você quer alguma coisa de um homem, não precisa de muita coisa, basta usar seu senso de mulher fatal que os Hormônios fazem o resto pra você.

ARTENIO--- Ta bem, foi assim... Lembra de quando você e Martinha iam juntas tomar banho no riacho?

KAKINHA – Lembro sim.

ARTENIO --- Pois é, então Sebim , Patrício, os irmãos Ferreira e eu, íamos “curiá” vocês duas banhando-se (encantado) ah que coisa mais maravilhosa ; As duas nuazinhas, lindas, deixando a gente mais molhados ainda , ah meu Deus que delicia era aquilo!

KAKINHA ---- Ah ta e daí?

ARTENIO--- Ué ! não vai me bater e nem me xingar?

KAKINHA -- Eu não , tenho coisa mais produtiva a fazer.

ARTENIO – O mais legal era quando Martinha e você começavam a brigar: tapa pra lá , tapa pra cá, ponta pés , porrada... Que massa cara! Cheguei ao nirvana!(pausa) Ah! eu sempre ganhava as apostas.

KAKINHA--- Só apostava em mim não era?

ARTENIO --- (Arregala os olhos e responde sem jeito) Não. Só na Martinha.

KAKINHA--- (Irritada e irônica) Obrigado pela parte que me toca.

ARTENIO --- Mas tem uma coisa que eu fico cabreiro sempre quando passamos juntos na rua. Todo mundo fica dizendo “Olha lá a turma da mão de obra!”...

KAKINHA--- (Risos) Como vocês são lerdos, mão de obra é porque vocês iam pro riacho... (se toca e percebe a besteira que ia falar).

ARTENIO--- (Animado) Ah sim riacho fazer o quê?

KAKINHA-- é.. é... (Pensativa) Tomar banho e caçar passarinho.

ARTENIO--- Ah que idiotas. Nada a ver !

KAKINHA—( Pra platéia) Ufa! esses homens cada dia com menos cérebro!

ARTENIO--- Estou sendo sincero moça.

KAKINHA-- Ta bem, passado é passado. Mas faz tanto tempo que saí desse povoado , você ainda continua trabalhando na roça, não é?

ARTENIO --- É verdade,mas a cada dia que passa me orgulho cada vez mais de lidar com a natureza , as ovelhas do Sr Leopoldo, é .. as ovelhas do Leopoldo ...as ovelhas e, e só.

KAKINHA ---Você nunca pensou em sair da roça e morar na cidade?

ARTENIO-- Sei não moça, mas...

MARTINHA --- ( Interrompendo a conversa) “Peraê”! queridinho, “num” bagunça não . tudo... menos chamar essa ai de moça, uma louca mais rodada que pneu de caminhonete F 4000 que faz a linha Natal –Mossoró e que carrega os trabalhadores da firma da banana...me poupe!

KAKINHA --- Ah menina , como você é inconveniente , não pode nem me ver conversando com alguém mais evoluído que já vem tentar me derrubar.Se manca garota.

MARTINHA --- Se incomodo, é porque posso.

ARTENIO --- Ah parem as duas agora .isso é coisa de criancinha , ficar brigando no meio da rua, parecem mais duas cachorras.

MARTINHA --- Ora quem você chamou de cachorra seu cabra? Repita se for homem.

KAKINHA--- Não precisa gatinho, eu mesmo terei o prazer de repetir. (soletrando) CA-CHOR-RA.

MARTINHA -- (Clamando aos céus) Ah pai, alem de feia é burra! Será que você não acabou de confirmar que também é uma cadela?( Risadas)

ARTENIO -- Mas se você Martinha também está sorrindo é porque também é uma cadela, ainda por cima burra, já que ela falou que ambas eram cachorras, ou seja burra ao quadrado elevado a quinta potência.

MARTINHA e KAKINHA ---(Admiradas) Oh!!!!!

MARTINHA -- As vezes fico a me perguntar , “como é que uma cabecinha dessas que só conhece merda de ovelha pode pensar algo tão profundo”?( Olhando no olho de Artênio ) Ta bem seu roceirinho de meia boca, irei imediatamente falar pra papai não te pagar este mês , quem sabe assim não pára de ser tão metido.

ARTENIO -- (Preocupado) Não, por favor Martinha , não faça isso comigo,te peço mil desculpas pelas palavras que a magoaram.

MARTINHA -- Vou embora estava de passagem mesmo , não tenho tempo pra estragar minha beleza com tipinhos como vocês, fui.

KAKINHA -- Já vai tarde priminha do meu coração, o tanque de roupas sujas te espera.

MARTINHA -- (Avançando pra cima da prima) Ora sua vaca! Eu te estrangulo...

ARTENIO -- (Apartando as duas) Já chega as duas, parem por favor.

MARTINHA -- Idiotas! Vocês parecem que nasceram um para o outro, dois seres desprezíveis, vou sair de perto, vai que terei o azar de me contagiar com vocês... (sai da cena)

KAKINHA -- Não entendo essa minha prima, só vive com raiva da vida, se soubesse o que se passa na cabecinha mimada dela, dava um jeito de arrumar essa mentinha infantil.

ARTENIO ---É falta de amor, carinho e de alguém que cuide dela, Martinha foi criada sem a mãe , seu pai praticamente não liga pra ela por causa da droga da bebida...

KAKINHA--- Ué, mas com é que você sabe tudo isso a respeito de minha prima?

ARTENIO -- Convivo diariamente com ela , raramente nos falamos,percebi o que falta em sua vida, é um amor verdadeiro, por isso não a culpo de ser tão revoltada , mesmo assim ela é muito especial pra mim.

KAKINHA -- Falando assim parece que você sente algo muito forte por ela...

ARTENIO -- E sinto. O que existe dentro de mim é o amor sincero, daqueles que a gente não consegue explicar, é muito simples dizer, mas difícil é ela perceber que a amo muito.

KAKINHA--- Ah como eu queria que alguém me amasse assim e falasse palavras bonitas! Sem duvidas iria me sentir a mulher mais feliz do mundo inteiro!

ARTENIO— Espero que um dia encontre alguém pra te fazer feliz.

KAKINHA -- Ah isso seria muito bom. Mas por que não se declara pra ela? Acho que seria um bom começo...

ARTENIO --Bem que queria, mas sou muito tímido.

KAKINHA -- Ah ta! Mas pra ver a gente tomando banho e ganhar o apelido de “trabalhador braçal” não tem um pingo de vergonha não é?

ARTENIO--- É diferente (Risos) mas ela só quer alguém que tenha um bom estudo e dinheiro, não seria muito interessante pra ela :passar pelo menos um bom tempo de sua vida com um pobre pastor de ovelhas.

KAKINHA -- Infelizmente minha prima é assim, muito materialista , mas acredito que se você chegar e falar o que manda seu coração , iria se livrar desse sentimento que o aflige tanto, você é um rapaz bonito , inteligente e parece ser muito romântico também...

ARTENIO —Pára com isso, não é pra tanto . Mas creio que você tem razão, vou criar coragem e me declarar pra ela. Sabe Kakinha,você me parece uma pessoa especial e espero que sejamos grandes amigos obrigado mesmo pela força.

KAKINHA--- Que nada, apenas tentei ajudá-lo... Agora tenho que ir depois conversaremos mais. Tchau.

(Assim que Kakinha sai de cena ,Sebim aparece e começa a dialogar com Artênio)

SEBIM – E ai Artenio, não foi pro roçado hoje?parece que a prosa com kakinha do riacho tava boa num é?

ARTENIO--- Ah Sebim nem vem com brincadeira, hoje não estou muito afim. Mas me diga aconteceu algum problema?

SEBIM--- Sim e dos grandes...

ARTENIO--- Oxi homem, fale logo!

SEBIM--- Parece que o Sr Leopoldo perdeu todo o rebanho pra pagar uma dívida grande que fez lá no boteco.

ARTENIO -- Não pode ser verdade! De que vou viver? Aquelas ovelhas eram meu ganha-pão embora ganhasse tão pouco.

SEBIM--- Mas o pior tu ainda não sabe .

ARTENIO --- E o que é pior que perder todo o rebanho ?

SEBIM---A mulher que você ama...

(De repente ouve-se um grito)

MARTINHA –“ Nããããããããão !”

(Martinha está sentada em uma cadeira, o pai Leopoldo dialoga com ela, imagina-se que estão dentro de casa)

LEOPOLDO – Infelizmente querida vamos morar na rua, perdemos nossa casa e as ovelhas e estamos sem ninguém.

MARTINHA--- (chorando) Como pode papai ; perder tudo ? Agora vamos mendigar pra poder ganhar o que comer e minhas roupas caríssimas, terei que desfazer de todas?

LEOPOLDO -- Sim filha.

MARTINHA -- Tudo por causa da sua maldita bebida (chorando)

LEOPOLDO-- Ei menina respeita seu pai.

MARTINHA -- Você não merece respeito.

LEOPOLDO-- Como se atreves a falar assim comigo muleca?

MARTINHA -- (Ainda chorando) Pouco importa ,melhor viver sem pai do que ter alguém que nunca ligou se quer pro que eu falava, nas festas da escola do vilarejo, todas as meninas levavam seus pais para as prestigiarem , mas eu... nunca tive esse prazer, o senhor sempre foi ausente.

LEOPOLDO -- Você sabe que te criei como pude...

MARTINHA -- Você esqueceu de mim, isso foi o que aconteceu ao longo desses dezoito anos.

SEBIM -- (Ouvindo a conversa por fora da casa) Hum dezoito aninhos...que delicia!

ARTENIO -- (Fala em tom raivoso) Ei cabra, respeita a minha Martinha .

SEBIM – Vai sonhando “mané”, que um dia você chega lá , agora cale a boca e vamos ouvir a prosa.

LEOPOLDO -- ( a prosa continua) Não seja tão ingrata menina.

MARTINHA--- É verdade sim, nem a minha festa de quinze anos tive.

LEOPOLDO— Teve sim.

MARTINHA-- Aquilo não é festa.

LEOPOLDO -- Ora mais, deixa de coisa feia, todos estavam aqui em casa...

MARTINHA--- Você chama aquele bando de pobres de gente? Eu queria é que tivessem pessoas ricas, importantes e não um roceirinho medíocre, uma prima sem futuro e invejosa e meia dúzia de ignorantes, e nem valsa eu tive ...

LEOPOLDO -- (Interrompendo) Não pode falar isso, fiz tudo que pude por você.

MARTINHA-- De que adiantou? Se perdeu tudo por causa da maldita bebida?

LEOPOLDO -- (Envergonhado) Filha não fale mais nada, estou muito velho e cansado.

MARTINHA--( Exaltada) Dane-se sua velhice . Agora o que é que eu faço?

LEOPOLDO -- (Olhando nos olhos) Procure um homem rico que resolva nossa situação.

MARTINHA -- Bem que queria, mas quem será esse tal homem rico que vai me dar tudo que quero?

LEOPOLDO – Olhe, rico eu não sei, mas existe alguém que diz em por ai amar muito você...o Artênio, meu empregado.

ARTENIO -- (Feliz) Nossa ele falou de mim Sebim, ele falou de mim!

SEBIM— Não se anime tanto caro amigo.

ARTENIO -- O que será que ela vai dizer?

MARTINHA -- Ah papai deixa de piada ! Aquele pastorzinho ridículo não da mesmo.

SEBIM -- Num falei pra tu?

LEOPOLDO -- Mas ele gosta muito de você e é um rapaz trabalhador e honesto.

ARTENIO -- Muito bem Sr Leopoldo é isso mesmo!

MARTINHA -- Amor e honestidade não enchem barriga papai.

SEBIM -- Amigo, ela tem razão ,vamos embora.

ARTENIO -- (Triste) É verdade mesmo. Mas vou ficar pra ouvir alguma coisa, vai surge uma esperança pra mim...

SEBIM -- Eita que rapaz sonhador é tu “homi”!

LEOPOLDO -- Então só tem um jeito.

MARTINHA -- E qual é? Tonhão; o infeliz beberrão de toda a fazenda?

LEOPOLDO -- Não.

MARTINHA -- Então me diga quem é esse homem.

LEOPOLDO – O Dr. Lucílio filho de dona Mãezona.

MARTINHA -- O tal advogadinho?

LEOPOLDO -- Sim.

MARTINHA -- Ele é rico?

LEOPOLDO -- Tem lá alguma coisa pra oferecer...

MARTINHA -- Papai o senhor ta insinuando que eu sou mercadoria?(pausa) Ai papai não sei não, mas seria uma boa idéia conhecê-lo do que ficar nessa miséria, depois pediria divorcio...

(De repente Sebim e Artenio entram na casa do Sr Leopodo)

SEBIM --- Eita seu Leopoldo a gente veio correndo pra saber o motivo de tanta gritaria.

LEOPOLDO -- Num tem gritaria nenhuma aqui rapaz!

ARTENIO -- A gente achou que tivesse acontecido alguma coisa grave, fiquei muito preocupado com a Martinha.

MARTINH -- Dispenso suas preocupações ridículas meu queridinho.

SEBIM -- ê ê ê ela te chamou de “queridinho”! num vai nem dormir hoje num é?

LEOPOLDO -- Ei cabra deixa de gracinha pra riba de minha menina.

ARTENIO -- Fiquei sabendo o que aconteceu com o rebanho Sr Leopoldo , é verdade isso mesmo?

LEOPOLDO -- Cale essa bendita boca , tu num tem nada a ver com isso.

ARTENIO --Tenho sim, como é que vou cuidar da minha mãezinha, “tadinha” anda tão adoentada!

LEOPOLDO -- Problema dela, e quer saber de uma coisa: não preciso mais de seus serviços aqui nas minhas terras.

ARTENIO -- Oxi! Mas você não pode fazer isso! Por que não quer mais que eu trabalhe aqui?

LEOPOLDO -- Porque não te devo explicações cabra.

SEBIM--- Ah ,mas deve sim sinhô! Ele trabalho e tem que receber por isso.

LEOPOLDO -- Cale-se seu miserável. A conversa ainda não chegou no chiqueiro.

ARTENIO -- Ele tem razão eu quero receber.

MARTINHA -- (Com um jeito bem sedutor) Olhe Arteninho, deixa isso pra lá , papai está muito velho e cansado.

LEOPOLDO -- Tu me respeita menina, num é pra tanto...

SEBIM --- É verdade (Risadas) ta “véi’ mas é igual aquela musica que diz assim (Cantando)“ num interessa se ela é veia, panela boa é que faz cumida véia”.

ARTENIO --- (Completamente decidido) Ah já chega, pode ficar com seu dinheiro podre , eu vou procurar alguém honesto pra me ajudar. Passar bem vocês. Vamos Sebim aqui já deu o que tinha de dar.
(saem)...


(Na próxima cena , entram Lucilio e a Mãezona, conversando algo sobre o futuro casório...)

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