domingo, 30 de agosto de 2009

Aurora Numbora (Ato 3- Cena 9)

“A farsa não veio a calhar”

SEBIM – (Declamando poeticamente) Bom dia sol, bom dia lua, bom dia paredes, bom dia dona Maria das Cocadas, bom dia Charlene rapariga do cabaré de Maria Padilha... (Olha pro público) Bom dia todas as cores!

ARTÊNIO – (Admirado com o bom humor de Sebim e principalmente com o seu novo visual) Nossa Sebim que bela roupa é essa?

SEBIM – Foi um prêmio de consolação que consegui graças a minha astúcia e inteligência dada por Deus!

ARTÊNIO - Não meta Deus no meios de seus trambiques, isso pode ser fatal.

SEBIM – Trambiques?

ARTÊNIO – É.

SEBIM – E eu sou lá homem de usar “trambicagem”? Uso apenas a inteligência que tenho pra poder me manter em pé.

ARTÊNIO – É entendo... A vida não foi muito favorável pra nós. As dificuldades de todo santo dia, da forma como as barrigas roncavam de fome, nas noites virando as madrugadas me ajudam a entender que suas atitudes são realmente necessárias...

SEBIM – Você ainda tem a sua mãe, e eu que tenho só Deus e mais ninguém?

ARTÊNIO – Pelo visto vejo que estás usando muito bem a sua astúcia, sempre percebo que está usando roupas aparentemente caras, calçados refinados... Parece até que encontrou uma mina de ouro.

SEBIM – Ah deixa disso... não existe mina nenhuma. O que acontece é que estou trabalhando pra uma gente da alta que mora por essas bandas.

ARTÊNIO – Mas por essas bandas só existem trabalhadores do campo e cachaceiros “morimbundos”, o único povo que tem dinheiro por aqui é a Mãezona do Lucílio. E conhecendo bem aquela gente, jamais daria atenção para um pobre, coitado, ralé,desqualificado, ignorante...

SEBIM – (Interrompendo-o) Pô “cumpadre”, maneira ai vai, num é pra tanto!

ARTÊNIO – Desculpa ai, é que me empolguei um pouquinho (Risos)

SEBIM – E ai, já esqueceu a desmiolada da Martinha?

ARTÊNIO – Esquecer ainda não, mas depois de ontem percebi que ela não faz bem o meu tipo.É uma pessoa muito amarga.

SEBIM – Eu bem que te avisei que ela era uma pilantra...

ARTÊNIO – Ah Sebim, também não fala assim da pobrezinha.

SEBIM – E aquela história de namorar a drogada,digo, a Kakinha, é mais algum pretexto pra esquecer a filha do “véi” Leopoldo, ou foi sério mesmo?

ARTÊNIO– E muito sério. Descobri em kakinha uma rosa que nasceu em meio as pedras!

SEBIM – Nossa que o “homi” ta é poético!

ARTÊNIO – Num é “zazon” mas é o amor.

SEBIM – Que negócio de amor é esse, tu ama mesmo é a louca da Martinha...

ARTÊNIO – Por favor Sebim, vamos parar de falar nessa ingrata, deixa ela pra lá... não posso negar que ainda gosto dela mas tenho é que viver a minha vida. A final ,ela vai casar com um advogado.

SEBIM – E daí?

ARTÊNIO – Daí que ele vai dar a ela tudo que precisar, coisa que eu não teria condições de oferecer...

SEBIM – Não acredito muito nisso...

ARTÊNIO – Por que não?

SEBIM – Aquele sujeito é muito suspeito pro meu gosto...

ARTÊNIO – Por falar nele , olha só quem vem ali, ele e a Mãezona, parece que esse tampo nasceu pregado a essa velha chata.

SEBIM – Eu vou lá trocar algumas idéias com ele . (Olhando pra Artênio) “Inté” mais ver...

(Sebim aproxima-se de Lucílio, Artênio sai de cena )

SEBIM – Olá amiguinhos, tudo bem por aqui?

LUCILIO – O que você quer aqui seu imundo? Já veio atrás de propina?

SEBIM – Eu?imagina!

LUCILIO – Pois é o que parece.

MÃEZONA – Pare então de andar por perto da gente, assim vão notar que tem algo estranho por aqui, seu verme.

SEBIM – Não me trate dessa forma,pois sabe que posso fazer algo que vocês não iriam gostar nenhum pouco.

MÃEZONA --- Cale a matraca seu peste ruim.

LUCILIO —É mesmo , ou vai querer que todo mundo saiba que eu num sô advogado coisa nenhuma?

ARTÊNIO – (Surge de repente em cena) Como é que é? Será que eu estou certo de ter ouvido isso?

LUCILIO -- Você não ouviu nada, isso é uma conversa particular...

ARTÊNIO-- Sabia que por trás dessas belas roupas que o Sebim usa e esse tratamento requintado não passava de uma baita de uma farsa.

SEBIM – Calma amiguinho, não é bem isso que você ouviu.

ARTÊNIO --- Ah, mas é sim, afinal não estou louco, eu ouvi toda essa prosa por trás da moitinha quando fui mijar.

MÃEZONA --- (Pra Lucilio) Viu o que você fez seu peste? Agora além de estarmos na mão do mendigo, dependemos agora desse idiota...

SEBIM – Mas não se preocupem, Artênio é um “homi” bom de Brio e não seria capaz de me dedurar...

LUCILIO --- Pois é, ele não seria capaz de fazer nada que fosse desonesto...

SEBIM—É verdade, mesmo que o Artênio visse a coisa mais errada do mundo ele não falaria pra ninguém, não é Artênio?

ARTÊNIO --- Aí é que você se engana meu caro Sebim... Já fui passado pra trás inumeras vezes, agora são todos vocês que estão na minha mão.(Risos)

SEBIM – Mas Artênio, o que é que você ta dizendo com isso? Você nunca foi de fazer coisa errada...

ARTÊNIO --- Pois é, nunca fui, mas já chega de ser tão bonzinho, agora terei como comprar os remédios pra minha pobre mãe... (Risadas)

MÃEZONA - Isso não pode ser. Esse pilantra esteve esse tempo todo se fingindo de bom samaritano.

LUCILIO --- O que temos que fazer pra você ficar de boca fechada “heim” seu peste?

ARTÊNIO --- Nada, porque também quero o seu dinheiro, e que paguem o dobro que pagam ao Sebim...

SEBIM – Nessa vida não se pode confiar em ninguém, mesmo o que aparenta ser mais santo pode se corromper quando ver que o dinheiro aparece...

MÃEZONA – Pois é, estamos perdidos, agora que vamos à falência. Me diga só seu pastorzinho do mal, quanto você quer pra ficar calado?

(Pausa e ficam todos em silêncio por alguns segundos)
ARTÊNIO – Nada.

SEBIM – como é que é?

ARTÊNIO --- Não quero um tostão de vocês, isso é injusto, dinheiro sujo... e não sou nenhum panaca que se corrompe com tão pouco... pois é Sebim, isso me envergonha sabia? E você Lucílio, não tem vergonha de dar tamanho desgosto à sua pobre mãe que só vive de uma mísera aposentadoria (nem tão mísera assim) mas é d’ela,eu bem que queria uma mãe que me desse o apoio e a oportunidade que você teve, prefiro trabalhar, pegar no pesado pra conseguir curar minha pobre mãe que não teve como me dar dinheiro, boas escolas e até esse tal de plano de saúde que você tem... O que ela sozinha me ensinou, foi a ser humilde e correto, andar sempre no caminho do bem, vocês falam que tem tudo, mas não passam de pessoas vazias. Quer saber de uma coisa, podem ficar com essa vida triste, sempre escondendo-se, eu vou é procurar liberdade, se me dão licença tenho que sair d’aqui.

(sai)

SEBIM – Nossa que panaca, ele deveria ter tirado proveito de vocês, o que seria muito pouco...

MÃEZONA--- Ufa! Ainda bem que ele é uma desses que pregam a honestidade, queria ser assim, mas não fui dotada de tamanha idiotice...

LUCILIO --- Pelo menos ele não vai soltar a matraca pra ninguém...

KAKINHA --- (Surge do outro lado da cena) Mas nem tudo está perdido, eu também sei do segredinho de vocês! Pois é, eu sabia que havia algo errado nessa história, e realmente estava certa...

SEBIM – Até você Kakinha? Mas você não vai se corromper também não é?

KAKINHA --- É o que você pensa meu caro Sebim... ou você nunca ouviu falar que o mundo é dos mais espertos?

MÃEZONA ---Ai meu Deus desse jeito não posso mais agüentar... (Desmaia)

LUCILIO --- Mami!

SEBIM – Valha mi Deus, a velha teve um treco!


(Todos saem de cena)

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