Catarro descendo
Mosquito pairando
Feridas escorrendo
Piolhos coçando
Dentes cariados
Calos nas mãos
Tisnado nos braços
Amarrado o calção
Cabelos assanhados
Remela nos oio
Unhão arrancado
Vidinha que dói
Menino sem sorte
De bucho crescido
Lombrigas da morte
Dum nego desnutrido
De roupa de chita
Conjuntinho ganhou
Desfilando como artista
Roupa de defunto usou
Caderno novo que não veio
Pra o cotôco de lápis usar
A chinela que partiu no meio
E o pé no chão a espinhar
Uma árvore, doze casas.
Seus lares aconchegantes
Que abrigou em suas asas
A família de retirantes
Pobre mais muito feliz
Até o casal se separar
Por maldade infeliz
Que marcou o caminhar
O quarto mais novo
O único dos cinco
Seu pai foi seu povo
Que o criou no sinto
A mãe está cadáver
De tanto parir
É a fome que a bebe
E matar o existir
É irmão das vadias
Que o povo julgou
Que aceita os dias
Com honra e fervor
Maltrapilho da vida
Que por sina herdou
Bunda de mochila
Por ser nego ganhou
Vagabundo inocente
Que amor conquistou
Restinho de gente
Que o mundo espancou
Que não morre de medo
De fome ou de dor
Que desde bem cedo
Almoçou o favor
Conhece a tristeza
A paixão, o terror.
E canta a beleza
Da solidão dum amor
O corpo surrado
Da pisa da vida
Se encontra suado
Da longa partida
Não se enverga pra o tempo
Não tem tempo a perder
Vive a cada momento
Humildemente a aprender
Acredita no sonho
E lutar sem parar
Seguindo sozinho
Pra o mundo abraçar
Mas se um dia precisar
Se por acaso pretender
Eu posso te ensinar
A arte de vencer
Sem nenhum preconceito
Sem maldade a falar
Aprenda estufar o peito
E ao pobre respeitar
A vida da muitas voltas
E as coisas podem mudar
Quem ontem passou fome
Hoje pode te alimentar
Meu passado vive em mim
E nunca irei negar
Lágrimas que derramei por tiii
Um dia irás pagar
Que espere querida
A resposta outra vez
Você bem nascida
Filha da estupidez
Não chores querida
Olhe o dia que vem
Esteja mais linda
Meu presente do bem
Insista em viver
Assim como fiz
Esquecendo o sofrer
Disfarçando a cicatriz
Invista nos teus
Mas não seja vulgar
Agradeça a teu deus
Só ele pode te perdoar
Lino sapo
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